UMA VISITA PARCIAL À OBRA DE ADÃO DE ALMEIDA
Albano Pedro
ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E MATÉRIAS CONEXAS como obra de literatura jurídica lançada na passada terça-feira (24 de Setembro) no Auditório Maria do Carmo Medina da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto é uma humilde contribuição do Mestre Adão de Almeida ao debate sobre as sempre polémicas questões do Direito Público e afins que arrastam ao abismo do debate extremo as mais intrigantes e inconciliáveis questões sociais e políticas, sobretudo em países com certo grau de primitivismo político como os africanos; humilde contribuição porque por um lado a insuficiência de textos é indirectamente proporcional, as expectativas que o mundo académico sempre alimentou sobre um dos mais bem sucedidos estudantes de Direito da Universidade Agostinho Neto dos últimos dez anos e por outro lado a grandiosidade da cerimónia de lançamento deixou por justificar a magreza da obra que se limitou a escassos cinco artigos de opinião, assim estampados. Lazarino Poulson de forma exigente precisou juntar muito mais textos para pôr ao consumo público em forma de textos compilado mesmo quando ninguém o tivesse antecedido. Cremildo Paca elevou-se ao nível de um verdadeiro literata do mundo jurídico ensaiando a sua entrada em grande com uma obra de dimensão histórica de grande relevo a partir de Portugal (editora Almedina). Porém Adão de Almeida não precisou tanto. Cinco artigos e mais uma persuasão amigável (e quiçá mercantilista) de Gilberto Luther fez nascer a sua primeira obra. A maioria de seus contemporâneos esperou na primeira obra grande volume teórico e discursivo sobre questões jurídicas – não polémicas porque Adão de Almeida nunca demonstrou qualquer vocação nesse sentido – pelo menos historicamente relevante dado ao grande e inegável desempenho estudantil deste jurista de origem malanjina. Eu próprio esperei um pouco mais do que de Cremildo Paca que trouxe a sua contribuição a volta da justiça administrativa – que confesso, me colocou na condição de a reconhecer como uma das maiores obras jurídicas angolanas dos últimos dez anos – ; esperei uma colectânea dos vários textos elaborados ao longo dos anos em que foi agraciado de prémios por eloquentes desempenhos estudantis. Nesse período vários textos foram certamente elaborados para merecerem prémios. Adão de Almeida frustrou seus admiradores por não colocá-los em exposição pública. Pelo menos na sua primeira obra. Se promete uma próxima edição em que incluirá tais textos estaremos de parabéns. De qualquer modo, está ainda assim de parabéns ao lançar a sua primeira obra. Com ou sem defeitos a primeira obra é sempre glorificada pela coragem e ousadia do seu autor. Passemos então em análise:
Ao tratar de Direito Constitucional, Ciência Política, Direito do Contencioso Administrativo e Metodologia do Direito, Adão de Almeida contrariou seu apresentador Bornito de Sousa, que prefere limitar os investigadores a pesquisa de conteúdos estreitos àquilo que chama de especialização contrariamente ao enciclopedismo, i.e., capacidade de interpretar fenómenos científicos de múltiplas dimensões. Sempre desconfiei que a mediocridade intelectual estivesse ligada a preguiça ou ao auto-limite mental e esta despropositada persuasão deu-me provas acabadas a propósito. Eu própria me sentiria um intelectual sem possibilidade futura de brilho se os meus conhecimentos simplesmente gravitassem a volta do Direito, já porque ser político – caminho seguido por muitos – requer estar preparado para filtrar um pouco de todos os conhecimentos que se cruzam no campo governamental ou legislativo. Adão de Almeida tem o mérito de desenvolver uma análise transversal do Direito Público numa perspectiva claramente enciclopedista. Visitou e revistou matérias que seus antigos mestres (Adérito Correia e Bornito de Sousa) estão já longe de alcançar, um pouco devido a falta de ousadia que começa a caracterizar a nova geração de juristas, encabeçada por Lazarino Poulson. A economia investigativa e altruísmo comunicativo certamente recomendam uma análise pontual da obra. Assim é que nos estreitaremos a um único artigo pela importância social, visto que o conhecimento não útil a sociedade não é digno de ser chamado a discussão.
Afasto preliminarmente a discussão a volta da Metodologia do Direito ou – como prefiro chamar – Metódica Jurídica pela simples razão desta matéria estar entre nós vulgarizada por pouco familiarizada com os mais profundos problemas do Direito. Quando comecei a dialogar com jurista alemães atreitos a filosofia e metodologia do Direito comecei a sentir que falar da metodologia do direito é um pouco mais – e profundamente mais do que falar de meras interpretações técnico-jurídicas ou menos ainda técnico-legais como recomenda o primitivismo académico português dos tempos modernos. É direccionar o discurso jurídico a um dos mais elementares problemas do Direito – hoje desenvolvido em sede da sociologia jurídica – que é a correspondência material do direito formal, i.e., levar a compreensão popular (destinatário da norma jurídica), mediante técnicas adequadas da hermenêutica jurídica, que o Direito completa-se com a correspondência entre a Lei Constitucional e demais leis ordinárias (sistema jurídico) e as vivências do povo angolano em todas as dimensões culturais, artísticas, sociais, económicas e políticas (sistema político). É desta metodologia – a das formas do nascimento e vigência do Direito – que me preocupa por convocar reflexos de profundidade filosófica e metodológica que escasseiam no mercado intelectual angolano. É pois elementar a abordagem metodológica vazada por Adão de Almeida por relacionar conteúdos de natureza judicial.
Deixaremos tudo o resto para recrutarmos em debate a dimensão indagativa manifestada na abordagem do contencioso administrativo pela utilidade lógico-discursiva aí encerrada. Com elevada eloquência, propõe o ilustre mestre que devido a insipiência da tutela judicial efectiva a luz da lei constitucional é urgente a subjectivação do contencioso administrativo, no caso, angolano. Seria certamente um lugar-tenente se os termos dialogassem por si mesmos. Entretanto desenvolve a virulência de um problema de fundo que enferma o contencioso administrativo acantonando todas as actuais soluções a este propósito. Senão reparemos: Quando acha convocável a subjectivação do contencioso administrativo o ilustre mestre prende-se a meras recomendações académicas em que é habitual a ideia fixa de que o contencioso administrativo angolano é de feição puramente objectivo, já porque pontifica um sistema contencioso de mera anulação, já porque permite a invocação da inexecução da sentença. Contudo, esta perspectiva, que o ilustre mestre toma para rumar nestes mares tenebrosos, não atrela em socorro um argumento de grandiosa importância que é a legitimação da subjectividade do contencioso administrativo ao nível constitucional. O ilustre mestre não cura de extirpar o sistema jurídico angolano em Lei Constitucional e Leis ordinárias para achar o meio-termo da análise do problema que levanta. Esquecendo de analisar e polemizar o artigo 43º da Lei constitucional ruma desavisadamente ao encontro de soluções precárias incrustadas na legislação administrativa e conclui, quase robóticamente – e por sugestão académica – que o contencioso administrativo angolano é objectivo por curar mais da legalidade do que dos interesses e direitos subjectivos. Puro erro de análise técnica, a meu ver. A Lei constitucional, rica em contradizer todo o sistema jurídico angolano – por manifesta incapacidade técnica de seus mentores em correspondê-la as demais normas, facto causado pela sua inovação em detrimento de um ordenamento jurídico-infra constitucional arcaico arrastado da era colonial – farta-se em desautorizar a Lei, maxime do contencioso administrativo. Tornou-se já corrente o facto de que o Princípio da Impugnação dos Actos Administrativos impera de forma revogante sobre o sistema judicial administrativo ao ponto de diminuir a importância da chamada obrigatoriedade da precedência do recurso hierárquico. É uma clara demonstração da subjectividade constitucional do contencioso administrativo. Com efeito, o artigo 43º manifesta todo o vigor de um contencioso subjectivo que cura dos interesses e direitos subjectivos em detrimento do fundo legal da norma em tutela de interesses tidos como públicos. Mais. Quando os princípios da administração pública – enquanto balizas estruturantes do procedimento da administração pública, mesmo quando enfrentam os limites contenciosos, permitem que o principio da impugnação dos actos administrativos como unicórnio em favor do particular enfrente isoladamente e de forma equilibrada os demais princípios entre os quais o da legalidade estamos em presença de um sistema subjectivo – a que chamaria de inconsciente pela incapacidade de seus mentores em identificar e teorizar oportunamente.
É minha obsessão que a literatura jurídica angolana desenvolva ao nível das exigências técnicas universais. Daí que, minha reflexão não vem rabiscar qualquer mérito a obra. Pelo contrário vem enaltecê-la curando de identificá-la entre os vários escritos técnicos que levantam argumentos para debates ousados ao nível do Direito potenciando novas obras. Estou certo de que se o autor da obra der alguma importância aos argumentos aqui debitados teremos no futuro a sua obra mais alimentada. Vale pois sustentar que se desejou uma análise enriquecedora de seu texto, susceptível de, na dimensão da sua humildade, posicionar o seu esforço e tamanho intelectual ao nível merecido, este terá pois materializado a sua excelente e preciosa máxima segunda a qual “agradecer quem nos ajuda a alcançar os nossos objectivos é um elementar dever de justiça”. Está de parabéns o autor por “parir” assim o seu primeiro filho intelectual e está de parabéns a Casa das Ideias que sendo uma editora revolucionária no domínio da literatura jurídica concebeu um padrão gráfico atraente e inovador para a obra ora lançada. Bem-haja!
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Direito Público
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