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    quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

    DAS EXONERAÇÕES: ENTRE A JUSTIFICAÇÃO DO ACTO E O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

    Albano Pedro



    No âmbito do Direito do Trabalho, o acto de despedimento do trabalhador praticado pelo empregador normalmente é justificado (são apontadas as razões do despedimento conforme a lei) e legalmente fundamentado (e apontada a respectiva norma jurídica). A combinação de ambos os requisitos tornam o acto de despedimento conforme as exigências legais e dão pouca margem de contestação ao trabalhador assim despedido, embora sem dispensa dos seus eventuais direitos dai decorrentes.

    No Direito Público, a exoneração do funcionário público ou agente do Estado (governante ou responsável de departamento ministerial) geralmente não é justificada. Estamos habituados a ouvir por exemplo que o Presidente da República no uso das faculdades que lhe são conferidas pela constituição exonerou este ministro ou aquele secretário de estado, sem nunca sabermos ao certo as razões que o levaram a tal decisão. Ou seja, sem nunca sabermos a devida justificação do acto assim praticado.

    É bem verdade que ao acto administrativo se impõe o dever de fundamentação legal. Contudo, a lei não faz quaisquer referências a necessidade de justificação dos actos ainda que legalmente fundamentados. Tudo indica que a Sociologia do Direito Público, em nome da necessidade de uma certa discricionariedade do poder conferido aos agentes do Estado dispensa tal requisito. Parece ser uma forma de reconhecer alguma liberdade de exercício do poder público mantendo uma certa linha de obediência incontestável aos comandos do nível superior a base. De qualquer modo, a dispensa legal da necessidade de justificação do acto é, seguramente, uma lacuna normativa que põe em causa alguns dos mais sagrados pilares do Direito: a certeza e a segurânça jurídica. Na verdade, a falta de justificação do acto de exoneração (apontando as razões pelas quais certo agente foi afastado das respectivas funções) torna incerto o exercício das funções públicas colocando o respectivo funcionário ou agente do Estado numa condição de sujeição às eventualidades decorrentes da vontade do seu superior hierárquico mais do que estar sujeito ao império da legalidade do exercício das respectivas funções. O que é de certa forma marginal em relação ao princípio da legalidade dos actos que domina o Direito Público que recomenda a estabilidade dos actos normativos de carácter público, sem quaisquer excpeções.

    É certo que quando o Presidente da República exonera um alto funcionário do Estado fá-lo recorrendo a um argumento muito comum “ ...Por conveniência de serviços”. O que se assemelha a uma justificação. Contudo, o conteúdo genérico e difuso que caracteriza esse recorrente argumento retira o carácter casuístico próprio da justificação do acto. Porque esta deve invocar as razões concretas e particulares do acto de exoneração a que diz respeito de forma que o agente sujeito bem como o público em geral confiram a razoabilidade legal do acto praticado pelo superior hierárquico. Entre as várias razões que veiculam publicamente como expeculação sobre a motivação subjacente as nomeações e as exonerações algumas delas deviam ser chamadas a corresponder com a vontade concreta do superior hierárquico de modo a exaltar a justeza do acto practicado. É claro que existem muitas razões soltas que podem levar a exoneração de agentes do Estado. Entre incompetência pura e simples no exercício das funções em que tenha sido nomeado, desvio de património ou exercício indevido dos poderes públicos. Qualquer deles pode claramente justificar uma exoneração, tal como o mérito assente no exercício decoroso das funções de agente do Estado ou da qualidade técnica ou administrativa rara do agente pode justificar uma nomeação. Para tanto, basta que conste do respectivo diploma para que a justificação do acto tenha lugar.

    Já não vamos exigir a necessidade de quaisquer avisos prévio a exoneração em nome da estabilidade institucional necessária ao exercício do poder público. E de facto a exoneração, não significando despedimento, admite claramente a dispensa desse requisisto de caracter processual como aliás acontece também no domínio da legislação trabalhista.

    Esta lacuna normativa, provavelmente propositada, pode passar despercebida para a maioria dos cidadãos. Mas, não deixa de denunciar um certo carácter concentracionista do poder exercido pelos agentes do Estado que remete a memória jurídica ao exercício de poderes que caracterizam o sistema de vocação comunista assentado entre nós no periodo pós-independência e que em abono da verdade ainda não se esfumou completamente no modus essendi da actividade política em geral. Para além disso, coloca de fora a possibilidade de acesso a informação pública devida aos cidadãos que em Estados de Direito e Democrática se tornaram importantes mecanismos de controlo do exercício do poder público.

    A própria Lei Constitucional (Constuituição, segundo o legislador) devia estatuir a justificação casuística do acto como requisito suplementar do dever de fundamentação legal implícito no acto quer de nomeação quer de exoneração praticados pelo Presidente da República e outros agentes do Estado. Enquanto o requisito da justificação do acto, sobretudo de exoneração não for consagrado legalmente continuaremos a assistir a meras especulações sobre a pratica de tais actos, o que equivale a falta de informação sobre a prática dos actos de natureza pública. Dixit.

    1 comentário:

    1. Contribuição para a pertinente questão levantada pelo amigo Albano Pedro,

      Como estudioso do Direito, a partir da sua Filosofia e não apenas analisado sob o ponto de vista normativo e positivista, e também como frequentador assumido do regime de partido único que vigorou em Angola, diria o seguinte:
      Antes da implantação do regime democrático formal, em 1992, nunca José Eduardo teve tanto poder discricionário para nomear e exonerar outros agentes de Estado ( incluindo construir e destruir ministérios, numa velocidade incrível, quando bem lhe apetece) no âmbito das suas competências porque era sujeito ao escrutínio interno do Comité Central e do Bureau Político do MPLA. Acrescente-se que mesmo nos primeiros anos da coexistência com a figura de Primeiro Ministro, em grande parte essa questão era, no mínimo, discutida com essa entidade. Homem de poucas palavras, só ultimamente confessou que tudo isso o irritava. O que se passou é que com o fim do controlo do partido sobre as instituições imposto pelo novo regime (Estado de democrático de direito), tendo-se intrometido o pretexto guerra e faltando vontade séria de fazer do novo regime uma estrura coerente (a constituir e fazer funcinar os mecanismos de controlo consentâneos) o Presidente da República, que era e é até hoje também presidente do partido no poder, "ficou com tudo", como se diz na gíria. E se esse ficar com tudo até antes da actual Constituição o era apenas no plano material, apartir de 2010 foi formalizado constitucionalmente, com a inferiorização dos poderes parlamentar e judicial, onde, ainda por cima a oposição foi profundamente enfraquecida.
      Concluindo, a prática que aqui oportunamente é referida, não decorre, na minha opinião, tanto das lacunas legislativas, mas sim do sistema material que José Eduardo vem implantando e fortificando paulatinamente, sem uma reacção consentânea da sociedade, que é desviada das qustões centrais por uma poderosa máquina de manipulações, oleada interna e internacionalmente pelo pelo petróleo. É um sistema onde o fosso entre a legalidade formal (ética e moral) e a legalidade real (presidencial) é tão grande que ultrapassa todas as previsões da Ciência Política e do Próprio Direito. Disso eu trato, embora de forma genérica, no meu texto "Angola: a tercira alternativa".
      Abraço.
      Marcolino Moco
      www.marcolinmoco.com

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