No pretérito dia 15 de Março comemorou-se o dia mundial do consumidor. A data foi institucionalizada em 1983 por decisão da ONU em homenagem ao dia em que John Kennedy dirigiu uma mensagem ao Congresso (1962) por ocasião da proposta do primeiro documento normativo para protecção exclusiva dos consumidores (Consumer Bill of Rights) que ele mesmo propôs. Foi a partir desta proposta legislativa que se tornou vulgar o conceito jurídico de consumidor consagrando a essa nova categoria subjectiva não só a susceptibilidade de ser destinatário de direitos mas também de ser titular dos mesmos envolvendo quatro pilares: segurança, informação, escolha entre produtos com preços competitivos e direito de ser ouvido pelos governos na formulação de políticas de consumo.
Na verdade a problemática dos direitos do consumidor começa a ser vista apenas a partir dos anos 60, altura em que a dinâmica da economia mundial sugeria a desigualdade nas relações de compra e venda entre os indivíduos (famílias) e os grandes fornecedores sobretudo colectivos (empresas). Muito longe de ser equivalente ao simples contrato de compra e venda onde impera a vontade das partes e a reciprocidade de vantagens (entre nós, relação disciplinada pelo Direito das Obrigações – Código Civil), as relações jurídicas de consumo se revelavam desequilibradas. O consumidor (comprador) é visto como um tipo hipossuficiente (fraco) numa relação de compra e venda onde a contraparte (conhecido como fornecedor) transferia a mais das vezes custos e prejuízos de difícil compensação ou reparação. Ou seja, se por um lado existiam relações de compra e venda perfeitamente equilibradas tal como acontece com a compra e venda civil (entre o comprador e o vendedor – vide: um individuo que adquire um bem a um outro não comerciante habitual deste bem) e a compra e venda comercial (entre sujeitos de direito comercial nomeadamente comerciantes – vide: uma loja de revenda que se abastece de um armazém adquirindo as mercadorias de que dispõe), por outro percebiam-se relações de compra e venda completamente desequilibradas onde uma das partes figurava completamente desprotegida em face ao poder de manobra mercadológica (marketing) do fornecedor (propaganda enganosa, defeitos de fábrica, má informação do produto ou serviço, falsificação, etc.). Era pois a relação entre um indivíduo (sujeito de direito civil) e um comerciante (empresa – para usar um conceito moderno) que é um sujeito normal de Direito Comercial. Portanto, o desequilíbrio nasce a partir do momento em que sujeitos cujos direitos são normalmente disciplinados por ramos de direitos distintos entendem estabelecer uma relação jurídica.
A percepção desta relação desequilibrada e necessidade de estabelecer políticas de defesa para a parte mais fraca levou os EUA aprovar várias leis visando a protecção do consumidor e em 1980 os direitos do consumidor foram levados a ONU e que acabou aprovando a Resolução n.º 39/248, em 9 de Abril de 1985. Desde então os direitos de consumidor começaram a incorporar os diversos direitos internos dos países membros iniciando uma nova era mundial no tratamento desta espécie única de relação de compra e venda.
No ordenamento jurídico angolano, os direitos do consumidor estão consagrados no art.º 78.º da Lei Constitucional – LC (Constituição, para o legislador) e toda a sua disciplina normativa se concentra na Lei n.º15/03 de 22 de Junho, conhecida como Lei de Defesa do Consumidor (LDC) prevendo dentre vários, o mecanismo de responsabilização do fornecedor lesante dos interesses do consumidor. E quais sãos as partes da relação de consumo? Desde logo, o simples comprador de um bem adquirido de um vendedor não habitual (um não comerciante ou profissional do bem ou serviço) não é protegido pela LDC tal como não é protegido o lojista que adquiriu mercadorias para venda a retalho de um armazenista. No primeiro exemplo, a protecção é declinada porque os sujeitos protagonizam uma relação jurídica de natureza puramente obrigacional (direito civil) e no segundo exemplo, a relação é puramente comercial (Direito comercial) e em ambos os casos há equilíbrio entre os sujeitos. A relação de consumo é estabelecida entre o comprador que adquire bem de um comerciante (empresário) ou profissional tipificado na LDC. Aqui o comprador ganha o estatuto de consumidor por comprar de um profissional ligado ao bem ou ao serviço. E não é qualquer comprador: assim também, não é consumidor o indivíduo que adquiriu de um comerciante e depois vendeu a um terceiro mesmo não sendo revendedor. Nessa condição não pode reclamar os direitos que protegem o consumidor se o terceiro a quem vendeu o bem vira a provar que ele foi enganado pelo seu fornecedor. A LDC fala no destinatário final (a teoria consumista assim defende). É consumidor «…toda a pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros.» (art.º 3.º, n.º1). O consumidor é aquele que figura em último lugar na cadeia de compra e venda de um bem ou serviço.
Quanto ao fornecedor, não é qualquer um que se acha como tal. A LDC tipifica igualmente essa categoria subjectiva estabelecendo que é «…toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem actividade de produção, montagem, criação, construção, transportação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços.» (art.º 3.º, n.º2). Desde logo o Estado não é fornecedor quando presta serviços da sua esfera de competência exclusiva (serviços judiciais, notariais, administrativos, etc.) por não perseguir fins lucrativos. Apenas quando o faz por intermédio das suas empresas (empresas públicas) – como quando fornece luz eléctrica, água, recolha de lixo e outras actividades úteis as populações. Assim também é o critério utilizado para classificar os restantes entes de Direito público que participam da relação jurídica de consumo.
O bem objecto da relação de consumo tanto pode ser material como imaterial e o serviço prestado é qualquer actividade fornecida mediante remuneração (art.º 3.º, n.º3 e 4). Desde logo não basta que haja um fornecedor e se perceba um consumidor. É preciso que o bem ou serviço sejam pagos ou remunerados. O bem ou serviço não pago (total ou parcialmente) não desencadeia a responsabilidade jurídica do consumidor. Dixit.
sábado, 14 de junho de 2014
Direito do Consumidor
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