Há dias fomos surpreendidos por uma matéria publicado neste periódico dando conta de uma sentença proferida num tribunal angolano cujo processo que deu causa se encontrava desaparecido. A sentença ditava a dissolução de uma relação matrimonial contraída segundo procedimentos religiosos e como tal sem qualquer base jurídico-legal. A questão que vem a baila não é a falta de base legal para um sentença judicial, até porque percebe-se claramente que um processo assim é inexistente, pois o matrimónio religioso a luz do Direito é pura e simplesmente inexistente, i.é, não existe como relação jurídica para merecer atenção de um jurista e muito menos de uma instância judicial. Mas a questão não é essa. Na verdade o que arrepia no facto é o desaparecimento do processo assim declarado pelo juiz da causa contactado a propósito. O que levanta várias questões: Como podem desaparecer processos em instituições públicas? A quem responsabiliza o desaparecimento de processos dos particulares confiados aos órgãos e serviços do Estado?, etc,etc.
Na verdade a questão central é mais funda: O que fazer em caso de desaparecimento de processos individuais? Como reconstitui-lo e a quem compete a responsabilidade de fazê-lo? É claro que no caso do juiz que produziu a sentença ao que parece terá percebido o erro da declaração judicial sem base jurídico-legal que produziu e preferiu sonegar a informação sobre o processo (minha opinião). Mas que dizer por exemplo, de situações em que um particular (pessoa física ou jurídica) que tenha feito certo tipo de registo (registo civil, automóvel, comercial, etc.,) é surpreendido com informação de que não existem arquivos documentais sobre o processo que reclama quando vai a instituição no intuito de solicitar a emissão do documento por simples caducidade ou perda? Há casos de pessoas cujos arquivos dos respectivos registos civis foram destruídos junto com as conservatórias que os albergavam ao longo do conflito armado que assolou o país, como também existem milhares de casos de pessoas incapazes de provar as habilitações literárias porque os arquivos dos processos escolares foram destruídos com os respectivos estabelecimentos de ensino. Outros casos semelhantes podem ser chamados a elencar os exemplos muito férteis num país que como o nosso emergiu recentemente do caos da guerra e da destruição.
A partida, o Estado e seus agentes são responsáveis pelos danos causados aos particulares no cumprimento ou não das suas actividades. É a ideia central das disposições normativas constitucional (art.º Lei Constitucional – LC – Constituição para o legislador) e ordinária (art.º 430.º do Código Civil – CC). Delas, e de outras, se desencantam a responsabilidade na reparação dos danos resultantes dos desaparecimentos dos processos e da impossibilidade de emissão de novos. Entretanto, a questão que interessa é se o Estado deve ou não refazer os processos e como? Estamos longe de um enunciado normativo que impõe claramente essa responsabilidade aos órgãos e serviços do Estado. Entretanto, nada impede que essa obrigação decorra de uma sentença judicial cujo processo e intentado no sentido de obrigar o Estado a reconstituir o processo desaparecido ou extraviado pelos seus agentes. Não será certamente no seguimento de normas do Direito Público, nomeadamente do Direito Administrativo, mas de um processo judicial com tramitação cível e em homenagem ao princípio processual segundo o qual “todo o direito corresponde a um processo” (art.º 2.º, n.º2 – Código de Processo Civil – CPC). O que não descarta quaisquer responsabilidades disciplinares ou criminais vertidas contra os agentes que com dolo (manifesta intenção) terão motivado o desaparecimento dos processos em causa.
Entretanto, um processo judicial intentado com o propósito de produzir a reconstituição de processos administrativos em benefício de particulares carece de elementos probatórios idóneos. As cópias dos documentos devidamente reconhecidas no notário são bastantes. Mas raramente existem. Então o recurso a cópias com menos força probatória acrescido de leques de testemunhas e vários factos produzidos em esferas jurídicas com sustento dos respectivos documentos (contratos, inscrições, etc.) podem facilitar a reunião de provas. Mas há casos em que a reconstituição de processos documentais nesses termos não é possível. Então pode ser facultada ao particular a possibilidade de reiniciar a constituição do processo desaparecido reunindo os documentos que constituem a sua base. Aqui falamos de reconstituição voluntária contrariamente a reconstituição litigiosa que exemplificamos acima. Ora, a reconstituição voluntária por disponibilidade dos serviços públicos quando seja facultada ao particular a todo o tempo não tem porque gerar conflitos e nem danos aos particulares. Por exemplo, a possibilidade de fazer o registo civil caso não hajam quaisquer meios de prova de ter sido feito antes não +e condicionada no tempo. A qualquer momento, e no completo arbítrio do particular, o registo pode ser feito e ponto final. Entretanto, existem casos, não raros, em que o momento da constituição ou da reconstituição dos documentos é condicionada pelos próprios serviços do Estado. Pensemos no chamado registo civil de adultos que vem sendo feito apenas quando o Estado, através dos seus serviços, entende lançar uma campanha a propósito com o fim de registar os cidadãos sem quaisquer documentos de identificação civil (cédula, certidão de nascimentos, bilhete de Identidades, etc.). O facto de ser periódico o registo potencia danos na esfera jurídica dos particulares. Imaginemos a situação em que o individuo na condição de adulto sem registo precisa viajar para um outro país por imperativos patrimoniais ou outros de cuja falta acarreta graves prejuízos na sua vida pessoal e não tem documentos pessoais por falta de registo civil que não pode ser feito por falta de actividade ou autorização da respectiva campanha? O Estado é seguramente responsável pelos danos que recaírem na esfera jurídica do indivíduo nessa condição. Por ser aquele que impediu a verificação da condição de que carecia para viajar.
Que dizer pois dos casos em que por causa da falta de documentos o particular terá sofrido prejuízos incalculáveis? Por exemplo, a criança que não pode iniciar os estudos por inscrição num estabelecimento de ensino público ou privado devido a falta de documentos dos pais que impossibilitaram o seu registo civil, o registo de um automóvel na conservatória que não pode ser feito por falta de arquivo do respectivo livrete, etc., são casos que geram prejuízos com danos incalculáveis que como vimos responsabilizam o Estado e seus agentes nos termos do que já dissemos acima. Para estes casos, mais uma vez chamamos a responsabilidade do Estado pelos danos produzidos na esfera dos respectivos interessados. Dixit.
sábado, 14 de junho de 2014
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REGISTOS E ARQUIVOS INSTITUCIONAIS DE DOCUMENTOS DOS PARTICULARES - Albano Pedro
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