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    sábado, 6 de fevereiro de 2010

    A NOVA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

    DOS ELOGIOS DE MARCELO REBELO DE SOUSA E JORGE BACELAR GOUVEIA

    Albano Pedro

    As opiniões debitadas pelo insigne constitucionalista português Marcelo Rebelo de Sousa a TPA (Televisão Pública de Angola), debruçando-se sobre o mérito da nova constituição, segundo a qual “Vê-se que foram bons juristas, bons especialistas a trabalhar neste texto, porque está bem elaborada de uma maneira geral, do ponto de vista da técnica jurídica, das palavras, dos conceitos” e “é um modelo credível de transição constitucional”; e pelo renomado jus publicista, igualmente português, Jorge Bacelar Gouveia opinando que “Angola acaba de aprovar a constituição que mais se adequa ao país” – nos termos em que as opiniões foram transcritas pelo Jornal de Angola na sua edição n.º 11742 de 5 de Fevereiro de 2010, pág. 2. – fazem decantar exercícios de lógica discursiva sugerindo que as opiniões desenvolvidas podem ser ponderadas com alguma insuspeição se ao cuidado da análise acrescerem-se duas perspectivas de apreciação do processo de materialização constitucional, vulgarmente apelidado por procedimento constituinte, a saber: a perspectiva jurídica – a que chamo organizacional e a perspectiva política – a que chamo funcional.

    Para a perspectiva jurídica está líquido que o “ modelo credível de transição constitucional” foi gravemente ferido pela violação flagrante das cláusulas pétreas da anterior Lei Constitucional (art.º 158º) que impedindo a normal continuidade constitucional da República de Angola no que tange a obrigatoriedade de eleição dos órgãos de soberania do Estado tornou a actual constituição eivado de inconstitucionalidade – vício que seria perfeitamente arguido em sede do Tribunal Constitucional no âmbito do controlo preventivo da constitucionalidade desencadeado pelo Presidente de República antes da sua promulgação. Situação que, em boa verdade, levaria o rigor técnico-normativo a retirar o sentido soberano de um órgão como o Presidente da República que não é eleito nos termos descritos pelos limites estabelecidos pelas cláusulas pétreas, se a intenção conformadora inter constitucional fosse apelada pelos legisladores constituintes. Não há pois qualquer credibilidade neste sentido. Aliás, o reconhecimento da violação do limite material está claro na nova redacção que tomou a mesma cláusula na nova constituição “ As alterações da Constituição têm de respeitar o seguinte: O sufrágio universal, directo, secreto e periódico para a designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e das autarquias” – alínea h) do art.º 236º): Aqui a admissão por interpretação a contrariu sensu de órgãos soberanos não electivos surge como prova bastante. Mais. É de duvidar da idoneidade técnica de quem enunciou conteúdos como “ …São elegíveis ao cargo de Presidente da República…se encontrem em pleno gozo dos seus direitos civis, políticos e capacidade física…” denunciando um incompreensível afastamento dos cidadãos de pleno direito portadores de diminuição física a corrida presidencial – o que viola o princípio da universalidade dos direitos enunciado no art.º 22º – ou “Assumir a direcção superior das Forças Armadas Angolanas em caso de guerra” quando esta alínea se encontra perfeitamente contida na alínea anterior – Art.º 122º alíneas a) e b). É igualmente notável o excessivo rigor terminológico como “Fiscalização Abstracta Preventiva” ou “Fiscalização Abstracta Sucessiva” (art.º 228º e art.º 230º). O uso desnecessário do termo “Abstracta” revela um academismo incapaz de revelar o sentido político dos significados. Da mesma forma, é de questionar o rigor terminológico do conceito “auto-demissão” (art.º 128º) quando afinal a demissão enunciada é precedida de um pedido de quem entende demitir-se. Como entender auto-demissão como pedido? Exemplos aos milhares se apresentam para diminuir o mérito técnico-normativo do Texto Magno.

    Ora, a análise técnica, por rigor e exigência académica, é preferível a um elogio puramente “diplomático” que se presta a conquista de interesses individuais, como de resto melhor nos têm habituado os vários povos que ao visitarem Angola sentem o caloroso acolhimento que caracteriza o nosso sentido irmandade. Não parecendo elogios sinceros passam-nos a estranha sensação que os juristas portugueses não se prestam a conferir mérito a capacidade dos técnicos angolanos visto serem seus “discípulos” permanentes por razões de história jurídica. Querendo pois passar certificados com notas positivas em matérias que não merecem ser analisadas e sempre certos de que as mesmas jamais terão o mérito de igualarem aos mais exigentes trabalhos que circulam pelo mundo jurídico europeu. Elogios nascidos deste quadro soam mesmo como o reconhecimento dirigido a um desenho desajeitado de uma criança curiosa ao qual não querendo desencorajar inundamo-la de elogios encorajadores, porém falsos. É, enfim, a ideia de que é bom porque não é bom; e não é bom porque nós fazemos melhor.

    Não é de descurar certo mérito maioritariamente justificado pelo volume normativo da nova constituição – revelando alguma exaustão no tratamento de matérias com dignidade constitucional – queremos crer que é neste campo, escasso de espaço e importância, que os elogios procuram ganhar razão de ser. Preferimos, contudo, acreditar que os elogios ganham perfeito espaço na perspectiva política em que é de reconhecer o sentido de novidade dos mecanismos eleitorais adoptados. Se reflectirmos a funcionalidade do novo modelo de eleição atribuído ao Presidente da República como órgão soberano podemos certamente surpreender inovações susceptíveis de superar os modelos clássicos. E é possível – não estudei modelos semelhantes noutras realidades constitucionais – que Angola seja vanguardista neste sentido. O que é de esperar que seja de facto moderno e dinâmico o suficiente para modelar o projecto económico claramente orientado para a livre concorrência. O facto de reservar-se ao Estado um único campo de exploração económica que constitui reserva absoluta (art.º 93º), libertando áreas poderosas como a indústria do armamento para o sector privado é uma prova inequívoca do mérito político, e até económico, da nova Lei Constitucional.

    Especial chamada de atenção à classe política angolana – sobretudo da oposição – vai no sentido de abandonar o debate sobre a inconstitucionalidade do novo texto Magno ou discursos que pretendam retirar a importância histórica da nova constituição. O procedimento constituinte terminou e com ele nasceu o novo pacto social. O momento é de analisar o quadro mecânico-constitucional (aplicabilidade das normas constitucionais) de futuro, curando de averiguar o sentido de oportunidade das inúmeras inovações entre as quais o novo modelo de eleição do Presidente da República. De resto o povo angolano, mesmo divergente, deve rever-se na Lei Constituição ora aprovada. Não só pelo facto de ter sido aprovada por legitimidade conferida como pelo facto de estar inelutavelmente em vigor. Já porque não haverá outra Lei Magna que conforme o sistema jurídico em que assenta o Estado Democrático e de Direito que todos nós queremos construir. E nisto os elogios dos insignes constitucionalistas são de todo oportunos e bem-vindos aos angolanos e em especial aos legisladores constituintes e especialistas que sacrificaram horas de puro interesse individual em nome de um interesse colectivo reflectido na Lei Fundamental. Dixit.

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