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    sábado, 31 de dezembro de 2011

    DIREITO A VIDA II

    ENTRE A ÉTICA E O DIREITO – A PROTECÇÃO E O CONFLITO DE INTERESSES INERENTES



    Albano Pedro



    O percurso histórico da humanidade revela um processo tendencialmente orientado para a melhoria das garantias de preservação e conservação da vida. Assim, podemos notar desde as civilizações primárias que a vida vem sendo cada vez mais protegida dispensando todas as formas de atentados contra ela, quer pelos próprios homens quer pelos mecanismos sociais criados para a segurança dos homens. Assim é que na fase primitiva da formação da sociedade humana a dignidade humana era um valor quase imperceptível e os homens tinham uma convivência social próxima a realidade animalesca onde a auto-conservação sobrepunha-se a conservação colectiva. A vida estava tanto a disposição do seu utente como dos restantes membros da sociedade. O suicídio e o homicídio coexistiam pacificamente entre os instrumentos de contenção dos interesses sociais. Nas fases mais avançadas que chegam a antiguidade clássica (Egipto, Grécia, Roma, etc.) o questionamento sobre a dignidade humana é crescente e a diferenciação de estatutos de membros da sociedade torna-se um factor de garantia de protecção da vida conferindo maior dignidade aos homens de acordo com o seu estatuto social. Assim, temos os escravos cuja vida estava a disposição do seu proprietário a semelhança do gado. O plebeu e o patrício cujas vidas mereciam maior protecção embora sujeitas por vezes a trocas em caso de dívidas e para os estrangeiros que gozavam de um reconhecimento pelo menos melhor que o dos escravos, embora sem os privilégios daqueles que tinham estatuto de cidadania (não tanto no sentido moderno do conceito). A escravatura persistiu em todo período medieval como reflexo da coisificação do homem e expressão da mais violenta forma de degradação da dignidade e da vida humana a par das execuções por queima ou enforcamento. Nesta altura a hegemonia da Igreja Católica Romana na sociedade coexistindo com a monarquia absoluta determinam formas violentas de controlo social pontuada pela Santa Inquisição. Com o derrube da monarquia e a afirmação do movimento constitucional os direitos humanos nasceram de forma específica e passaram a fazer parte do catálogo das garantias contra toda a forma de degradação da dignidade humana. Mas, é com o fim da II Guerra Mundial que esta realidade se torna evidente entre os povos das diferentes nações. O perigo de extinção em massa da humanidade desencadeada pelo emprego das tecnologias bélicas da época levou os líderes mundiais a um novo estágio de reflexão sobre os interesses da humanidade dando lugar a soluções contratuais entre os Estados que levariam as sociedades a assumirem uma postura mais pacífica na coexistência humana. Isso passou pela afirmação de um catálogo de direitos do homem com consagração universal (carta das nações unidas, carta africana do direito do homem e dos povos, etc.). A dignidade humana passou a ter maior destaque e as sociedades de uma maneira geral deram por finda as formas mais hediondas de atentados contra a vida humana. Portugal é o primeiro país a abandonar a solução da pena de morte seguido de muitos outros países. Sendo que nos dias de hoje poucos Estado mantém esta prática.

    A era do respeito pelos direito humanos inaugurada no século passado, deixou atrás o puro criminalismo como filosofia de controlo da sociedade pela igreja através das execuções sumárias que ocorriam por diversas razões. Inverteu-se o quadro. Da disposição que a Igreja tinha da vida passou-se a criminalização de quem atenta contra a mesma. Seja o próprio (proibição do suicídio) seja de outrem (proibição do Homicídio). Já acontecia de certo modo na altura ao ponto do suicida ser enterrado agrilhoado como uma forma de sanção. Porém, o movimento dos direitos humanos do século XXI conferiu-lhes maior protecção através do reforço das garantias que lhes assistem. De tal modo que mesmo quando a vida é atentada involuntariamente responsabiliza o seu autor (mortes resultantes de acidentes de viação configuram em geral crimes de homicídio involuntário). Mas a maior das conquistas da era dos direitos humanos é o movimento abolicionista iniciado por Portugal com o afastamento da pena de morte. O linchamento e o enforcamento muito antes em voga passaram a ser eliminados das pautas penais das sociedades, embora sobrevivendo ainda em alguns Estados que apelam pela pena de morte como penalização máxima.

    Ao mesmo tempo que a morte como penalidade tende a desaparecer, nasce o movimento que pretende levar a vida a disposição do seu utente com a consagração da Eutanásia ou suicídio assistido. Através desta figura se pretende que o doente terminal ponha fim a sua própria vida solicitando os préstimos do médico que o assiste ou não. A resistência à sua consagração está no facto de ter-se como presumível a indeclinação do direito a vida pelo seu utente (a iure suo nemo recedere praesumitur). O auxílio ao suicídio (como forma de suicídio assistido) por enquanto é crime no nosso sistema jurídico-penal, contudo o mundo vai registando cada vez mais o surgimento dessa figura penal ao ponto de ser necessário um debate franco e honesto, incluindo os diversos sectores sociais, a semelhança daquele que envolve o Aborto e que Portugal teve a oportunidade de relançar entre os povos da lusofonia há menos de uma década para actualizar o seu sistema jurídico-penal.

    É ponto assente que a vida humana é o bem mais importante das sociedades modernas. Não existe outro bem que esteja acima e que com ele conflitua em termo de prioridades. E é por essa hegemonia que assiste o Direito a Vida que se coloca o problema da colisão de direitos quando em causa está esse sublime direito. Instala-se a colisão de direitos quando um bem jurídico conflitua em termos de prioridade com um outro ao ponto de impor o desaparecimento do menos importante dos bens. Se tratando de bens patrimoniais (normalmente avaliados financeiramente como casas, viaturas e outros meios materiais) o problema da colisão de direitos resolve-se pela preservação do bem de maior valor patrimonial (art.º 335º - Código Civil - CC). A colisão de direitos é relativo às partes que pretendem ver conservados os seus respectivos direitos. Porém, nem sempre o problema de conflitos de direitos se coloca às partes directamente envolvidas. As vezes há apenas uma mera necessidade de escolha entre um direito e um outro (aqui até podemos falar em interesses jurídicos). Neste caso o Direito considera oportunamente Estado de Necessidade (art.º 339.º - CC). Mesmo assim, é fácil admitir que diante da forte possibilidade de embater contra uma moradia o motorista em alta velocidade desvie o veiculo contra a árvore ao lado porque há certeza de que o dano a provocar é menor e por isso desculpável. E quando o conflito de interesses envolver a vida humana e um bem patrimonial, a escolha pela primeira é mais fácil ainda. Mesmo quando esteja em causa bens patrimoniais de valores financeiros avultados. Por exemplo: diante de um edifício de tantos andares armadilhado por uma bomba potente e cronometrada. A escolha entre procurar salvar o edifício, descodificando a bomba para a desactivar, e a evacuação urgente das pessoas que nele se encontram. A decisão deve ir a favor da evacuação, mesmo quando a evacuação envolva apenas uma única pessoa. Assim, diante da escassez do tempo disponível a opção lícita é a que leva ao salvamento de vidas sacrificando o edifício por mais caro e complexo que ele seja.

    O ponto crítico do Estado de Necessidade surge quando ambos os interesses são vidas. Aqui é polémico ver prioridade entre ambas. Na eminência de um atropelamento o condutor do veículo, sem solução diversa, não pode justificar-se desviando de um adolescente para colher mortalmente um ancião já farto de dias com argumento de que a vida nova era mais útil a sociedade e por isso se decidiu contra alguém menos importante. Até agora, as legislações não têm resolvido com satisfação esse diferendo axiológico. Ambas as vidas devem prevalecer. É essa crise que tem motivado acesos debates sobre a viabilidade do aborto por impor a decisão, nalguns casos, da preservação de vidas (entre a vida da gestante e a vida do feto). Sobretudo porque a vida do feto goza de protecção jurídica e assenta no reconhecimento parcial da sua personalidade (já é destinatário de certos direitos como sucessórios e outros). A maioria das legislações não dá solução directa a esse problema. E a nossa legislação não podia estar em caminho diferente porque prefere adoptar a solução da figura do Estado de Necessidade para resolver o problema. O que não deixa de ser uma solução in gremio legis. Logo, a favor da gestante em estado de saúde crítica se decide pela supressão da vida do feto. Desde que o seu nascimento implica a perda da vida da mãe. Esta solução, que constitui uma verdadeira tragédia das soluções sociais do problema responde a uma exigência aritmética da própria natureza e como tal incontornável. Não fosse a flexibilidade normativa, trazida por essa excepção, o problema seria insolúvel a luz da axiologia jurídica da vida. E por isso mesmo, não é uma solução extensiva a todas as crises que envolvam a vida. Uma vez que a protecção do bem vida é de tal ordem absoluta que poucas são as soluções contrárias a sua conservação encontradas nos diferentes sistemas jurídicos do mundo moderno para além daquela que pretende resolver a crise entre a vida da gestante e a do feto.Dixit.

    2 comentários:

    1. Albano,é uma grata satisfação,e milagre de Deus te descobrir,me completou em muitos aspectos do meu pensamento Angolano.Para me completar ainda descubro que é excelente escritor.Fiquei impactado com esta matéria,porque expressa o pensamento ortodoxico Evangélico Brasileiro e igual ao pensamento Vaticano.Vou continuar vendo as outras matérias,a que acabo de ler é aceitável em qualquer catédra,na defesa no direito a vida,uma aula da vida e da história.Parabens.

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    2. Agradeço a sua atenção à essas matérias estimado compatriota e amigo. Espero que a partir do Brasil em que te encontras possamos continuar essa agradável interação!

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