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    segunda-feira, 10 de março de 2014

    O CASAMENTO: DA CULTURA OCIDENTAL A CULTURA AFRICANA - ALBANO PEDRO

    O passamento físico de Maria do Carmo Medina há dias libertou uma onda de reflexão sobre a sua contribuição profissional entre a classe dos juristas angolana. Os seus feitos no domínio da advocacia, da magistratura e da docência em Direito da Família desencadearam varias opiniões nas redes sociais e na imprensa pública e privada. Como jurista dedicada as questões de família e sobretudo por se lhe reconhecer esforços em “aculturar” ou mesmo “nacionalizar” o conceito jurídico de casamento, largamente tributário da cultura jurídica ocidental, é que nos propomos a uma reflexão sobre a questão a guisa de homenagem. Entre os vários trabalhos de pesquisa que encomendou aos seus estudantes ao longo das lições, eram marcas evidentes da Dra. Maria do Carmo Medina a não-aceitação da ideia de contrato para a figura do casamento e a necessidade de emancipar o conceito de casamento tradicional ao nível do ordenamento jurídico angolano. Para esta última questão, a eminente professora de Direito participou da tradução da vontade costumeira contribuindo com a figura da união de facto que ao lado de outras figuras jurídicas próprias do direito familiar angolano e da supressão de certas modalidades de casamento do Código de Família português que se impunha entre os angolanos por força da herança colonial, permitiram a autonomização do Código da Família do leque dos livros do Código Civil. O que tornou o Código da Família no único conjunto normativo do Direito Privado comum muito próximo da realidade angolana. Para alguma corrente de estudantes e estudioso da Dra. Maria do Carmo Medina a negação da contratualidade do casamento, essa figura jurídica de fundamental relevo social, devia-se a incapacidade de se lhe surpreender a garantia enquanto elemento da relação jurídica ao lado dos sujeitos, o facto jurídico e o objecto. Sustentam estes cultores que aquela jurista de inquestionável lucidez ao não perceber qualquer possibilidade de existência de garantia descartava o casamento do leque dos contratos. Nunca nos chegou tamanha percepção das suas lições que tomamos com algum interesse. Para além de que a ser verdade, traduziria num completo absurdo. Afinal, admitir a inexistência de garantia numa relação jurídica é mesmo que descartar a possibilidade de uma relação jurídica. O sujeito, o facto, o objecto e a garantia são elementos cumulativos. Seria absurdo admitir existência de relações ajurídicas no domínio do Direito. Quando falte qualquer elemento na relação jurídica o fenómeno, ainda que social, pode ser enquadrado no âmbito da Moral, ética, religião ou outras normas de conduta, menos no âmbito do Direito. Pois a ideia de relação jurídica é a base da norma jurídica sem a qual não se fala em fenómeno sujeito a análise do Direito. Isso mesmo, ensinaram os grandes mestres da literatura e academia jurídica luso-angolana aos quais a Dra. Maria do Carmo Medina não contrariou tão absurdamente. Para Carlos Alberto da Mota Pinto, civilista português, «toda a relação jurídica existe entre sujeitos; incidirá sobre um objecto; promana de um facto jurídico; e toda a sua efectivação pode fazer-se mediante recurso a providências coercitivas, adequadas a proporcionarem a satisfação correspondente ao sujeito activo, isto é, a relação jurídica está dotada de garantia. Só assim faz sentido que seja uma relação regulada pelo direito, assim também entendia outro civilista, Inocêncio Galvão Teles. A dificuldade de identificar a garantia na relação jurídica do casamento é a nosso ver um problema de lógica jurídica que afecta a percepção tautológica de quem se presta ao mero mimetismo conceptual do Direito. Não seria difícil perceber que os princípios estruturantes do casamento constituem o leque de garantias. Embora se discuta a possibilidade de serem directas ou indirectas quanto aos efeitos sobre a relação jurídica, a não observância de tais princípios importam o divórcio (art.º 78.º e ss – Código da Família) enquanto mecanismo coercitivo próprio da relação matrimonial. É verdade que os crimes de bigamia e de adultério fazem igualmente a ideia de coercibilidade da relação jurídico-marital, porém admitamos que é uma forma indirecta de tutela por se traduzir na violação de outros institutos jurídicos (no caso de natureza criminal) que acabam beneficiando o casamento. O que se percebia na ideia da refutação do casamento como contrato é a pessoalidade (a forte influência das personalidades das partes, como diria João de Matos Antunes Varela) que se percebe nas relações de família. E este jurisconsulto português que não descarta a contratualidade do casamento, defende a propósito que «…dada a influência que a natureza complexa do casamento, a sua perpetuidade e a estabilidade da família exercem sobre a situação das pessoas abrangidas pelos seus vínculos, pode ainda dizer-se que os deveres de carácter familiar, além de envolverem uma parte importante da personalidade dos respectivos sujeitos têm carácter duradouro, enquanto as obrigações, deixando incólume a personalidade do devedor (…), têm por objecto uma acção ou omissão de natureza particular e geralmente transitória». É tanto verdade que esta mesma percepção de cariz jusnaturalista se reflecte no esforço da Dra. Maria do Carmo Medina em defender a vigência da União do facto, embora seja inquinada de a marcada fragilidade vinculativa ao nível constitucional quando se nega a vigência do costume contrário a lei. O pólo de reflexão que a eminente familiarista deixa é o debate sobre a “nacionalização” do casamento, enquanto figura jurídica central da ideia de Estado e de Nação quando se identifica na família a sua base. Enquanto viveu, defendeu a necessidade de uma percepção casamentária consentânea com os valores culturais nacionais. Infelizmente foi traída em duas frentes, a nosso ver. Na primeira frente, podemos falar na deturpação da ideia de Nação com a aprovação da Lei Constitucional – LC (Constituição da República de Angola, para o legislador) que afasta qualquer possibilidade de um verdadeiro Direito Angolano com a consagração da lei sobre todas as restantes fontes de Direito, incluindo o Direito Costumeiro que reflecte a idiossincrasia nacional (art.º 7.º - LC). Na segunda frente, a traição nasce daquilo que podemos considerar “inocência científica” sobre o conceito costumeiro de casamento. Se alguma vez defendeu a não contratualidade do casamento por razões jusnaturalistas ou outras, a verdade é que o Direito Costumeiro, mais do que o Direito Europeu exalta e exacerba a ideia de contrato. Se para o direito positivo a ideia do contrato não afasta a pessoalidade da relação marital, para o direito costumeiro o casamento tem todas as características “coisificantes” do contrato. E nesse sentido não é difícil comparar o casamento costumeiro com o contrato de compra e venda com todas as características que se lhe possam assacar. Na tradição africana, a mulher é cerimoniosamente adquirida com o objectivo de procriar (dar filhos ao marido) sendo essa função a mais importante e a que sustenta a relação marital. A falta de procriação não só dá direito a “resolução do contrato” (o mesmo que divórcio) como obriga a contraparte (no caso os parentes da mulher) a restituir os bens adquiridos em contrapartida. Aqui está uma forte garantia de natureza marcadamente contratual. E ainda por cima de contrato com nexo sinalagmático. Não fosse a perceptível inocência científica, aqui perceber-se-ia que o atalho do Direito Costumeiro não é o caminho viável para o assentamento de um conceito de casamento angolano impoluto e livre dos preconceitos contratuais. Mas entendemos que a humanização do casamento que a Dra. Maria do Carmo Medina defendeu é sem dúvidas o caminho mais seguro no sentido de melhor caracterizar um conceito de casamento angolano. Neste conceito, não só deverá ser discutida a questão da contratualidade como serão igualmente vistas as bases culturais étnicas que a nosso ver não devem apenas contemplar os cânones bantu como parece ser a percepção de muitos estudantes e estudiosos. A contemplação dos valores culturais de outras etnias e respectivos subgrupos (um exemplo são os kung de Angola – ou khoi-sans). O que obriga a um sério levantamento científico e académico transversal chamando em depoimento várias outras ciências do campo humano e social tais como a Antropologia, Psicologia, sociologia, etc. Dixit.

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