SOBRE O CASO DA MORTE DA MINGOTA NA PORTARIA DA TELEVISÃO PÚBLICA DE ANGOLA
Albano Pedro
Havendo necessidade de tornar aberto o debate a volta da responsabilidade sobre a morte de Mingota, fomos tecnicamente provocados por Domingos da Cruz, eminente intelectual angolano da nova geração e mano, a debitar argumentos com juízos de legalidade em forma de carta-resposta sobre a possibilidade de responsabilizar a equipa de médica pela morte em causa: Eis-nos em curso:
Querido mano,
A preocupação que manifesta a propósito do desafortunado caso da Mingota (por sinal homónima da irmã que me segue) é legítima por incorporar um caso publicamente repugnante de aceitar por razões óbvias e garante colheita política no sentido em que constitui matéria farta para explorar as graves debilidades do regime na gestão da coisa pública. Suspeito contudo da possibilidade sobre a sua pronta viabilidade jurídica em se tratando de responsabilizar os Médicos pela morte ocorrida por duas razões:
1. Até prova pericial (Legista) em contrário, a morte da Mingota não se afigura como causa directa e imediata da acção (no caso omissão) dos Médicos. Mesmo que a omissão do acto médico seja causa idónea para a verificação do quadro actual será muito difícil concluir que os Médicos causaram a morte a Mingota, já que faltará o nexo de causalidade (como sendo a relação directa e imediata entre o facto praticado – falta de assistência médica - e o resultado verificado – morte) pois, da saída do hospital até a TPA vários outros factores terão concorrido para acelerar a debilidade física da finada, nomeadamente mau manuseamento do corpo, transportação imprópria, esforço físico esgotante, desgaste de energias vitais pelo stress e por emoções debilitantes, etc. podendo mesmo, do ponto de vista legal, estarem aí alojadas as verdadeiras causas da morte da Mingota e como tal susceptíveis de serem directa e imediatamente imputadas as pessoas (prováveis familiares) que a levaram a TPA. Este quadro é o mais óbvio sobretudo por ser manifesta a atitude negligente de quem entendeu levar uma pessoa a carecer de cuidados médicos urgentes a um órgão de comunicação social visivelmente despido de capacidade de intervenção para a salvação da vida da agora finada;
2. Outrossim, não havendo nexo de causalidade a conduta negligente dos Médicos será causa de simples danos (o facto da finada estar exposta as situações ocorridas no trajecto entre o hospital e a TPA antes da morte) que para efeitos de responsabilidade serão vistos no quadro do Direito Civil (art.º 483º - Código Civil) que infelizmente para nós só podem ser judicialmente exigida a sua reparação pelos herdeiros da finada e parentes próximos conforme normas legais afins.
Se por um verdadeiro milagre da Medicina Legal apurar-se que a morte foi causa directa e imediata da conduta negligente ou dolosa dos Médicos – o que duvido – então estaremos perante um crime público (homicídio voluntário ou involuntário conforme a atitude seja dolosa ou negligente) e como tal qualquer cidadão (incluindo nós é claro) pode intentar uma acção judicial que em boa verdade será impulsionada por dever de ofício pelo Procurador competente. Até lá esperemos pela notícia dos médicos legistas que favoreça a responsabilização criminal dos referidos profissionais!
O que não retira em nada a possibilidade dos herdeiros e familiares verem os danos reparados se, querendo, exigirem. Pois, sendo um hospital público a responsabilidade civil dos Médicos (obrigação de indemnizar) mesmo sem culpa (no caso de simples incapacidade material para agir em conformidade com o dever legal – porque faltaram meios e equipamentos, como acontece quase sempre nos hospitais públicos – pode ser vista no âmbito da responsabilidade pelo risco que obriga não os médicos, mas o Estado a reparar os danos morais e patrimoniais operados com a morte de Mingota (art.º 501º - Código civil).
Quanto a questão da responsabilidade disciplinar sobre os Médicos culminando com uma eventual expulsão – por abusiva incúria no exercício de funções públicas – é uma possibilidade que deve nascer após competente processo, sustentado por um rigoroso inquérito, respeitando sobretudo o princípio da imparcialidade na actuação dos órgãos da administração pública competentes. Se o inquérito pode ser conduzido pelo Ministério da Saúde, a condução do processo disciplinar e a aplicação da sanção correspondente pode ser feita pela direcção do hospital público em causa.
Um outro ângulo da responsabilidade disciplinar pode ser visto a partir da omissão de um dever legal – já que o juramento a Hipócrates é de cumprimento inelutável – que deve ser desencadeada pela Ordem dos Médicos por inobservância grave de normas deontológicas no exercício exclusivo da medicina, vindo disto a eventual suspensão do exercício da profissão ou expulsão da corporação de acordo com a gravidade do acto omissivo.
De tudo que se expendeu nos últimos pontos de análise vale para lembrar que não basta a mera exoneração da Direcção do Hospital público em causa como aconteceu nas últimas semanas por pronunciamento oficial do Ministro da Saúde, sob pena de vir a ser um mero exercício estético sobre aquilo que são as responsabilidades gerais decorrentes da morte de Mingota. Quod Erat Demonstrandum!
Aquele abraço!
Albano Pedro
sábado, 11 de julho de 2009
Cartas
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