No mercado das relações humanas e sociais, a expressão da palavra e a exposição do pensamento são as mercadorias mais preciosas!

Facebook

  • Pesquisar neste blogue

    sábado, 5 de março de 2011

    O JUÍZ EM CAUSA PRÓPRIA

    A NEGAÇÃO DA JUSTIÇA CONTRA A GARANTIA DA IMPARCIALIDADE


    Albano Pedro



    A questão da negação do juiz em causa própria é um facto inerente a evolução do sentido de imparcialidade na solução dos litígios sociais ao longo dos séculos seja por aplicação de normas jurídicas, seja por aplicação de normas morais ou éticas. É certo que há muito se instalou a polémica em volta do conceito de Justiça ou do que seja justo, embora a mais célebre tentativa de a definir tenha nascido com a célebre máxima “in midium virtus est” (no meio está a virtude) imputada a Aristóteles já na Grécia antiga. Porém, é sabido que como ideal de harmonização social perseguido pelas diferentes regras sociais tais como Moral, Ética, Deontologia, o próprio Direito entre outras, tem sido possível pela via da imparcialidade como factor de alcance do equilíbrio ou do “iustum”. Vem disto que, em qualquer regra social, o princípio da imparcialidade tornou-se na trave mestra para a realização da justiça. O princípio cardeal da religião cristã resumido na regra “amai o próximo como a ti mesmo” é a prova final desta realidade. Se o fim de todas as regras sociais é a realização da justiça, nenhuma regra pretende alcançar melhor que o Direito apesar de ser fartas vezes utilizado de forma imprópria e abusiva pelo poder que o positiva. Pois, esta engenharia de normalização social, como única equipada de coercibilidade, ou mecanismos de pressão se quisermos, é a mais próxima da natureza humana tendente ao conflito social e por isso a melhor invenção da humanidade no que tange a criação de meios e formas de existência humana.

    Visto que o esforço de qualquer regra social é a garantia da imparcialidade, como via única e segura para o alcance da justiça, esse esforço em Direito conhece o seu ápice com o contraditório em que a matéria de facto subsumida ao direito provoca a reversão lógica ganhando uma dimensão controvertida. É por isso que a regra de “audi alteram partem” (que seja ouvida também a outra parte) e o “nemo iudex in re sua” (ninguém pode ser juiz em causa própria) se tornaram em garantias de imparcialidade de grande mérito e popularidade deixando de ser, inclusive, monopólios do Direito, embora enformem o princípio do contraditório em matérias judiciais. A primeira nasceu como regra moral, especificamente religiosa (cristã), com fundamento bíblico (Génesis 3: 9 - 11) em que ficou patente a ideia de que Deus todo-poderoso mesmo tomando conhecimento antecipado do acto pecaminoso cometido por Adão, quando comeu a maça induzido por Eva, preferiu que este apresentasse, por si, os argumentos inerentes a verdade dos factos em sua defesa. Surge como reconhecimento da liberdade subjectiva como mecanismo de expressão da imparcialidade e fonte suprema da justiça; A segunda surge como mecanismo de protecção de valores e interesses judiciais configurando um incidente processual na forma de impedimento do juiz para conhecer do pedido contra si formulado em juízo. Assim determinam as normas instrumentais do Direito Civil (art.º 122.º - Código de Processo Civil – adiante CPC) e as normas adjectivas do Direito Penal (art.º 104.º - Código de Processo Penal – adiante CPP). Logo que o juiz tenha conhecimento do impedimento deve declara-se impedido. Se não o fizer podem as partes interessadas requerer a declaração de impedimento (art.º 123º - CPC). A lei é severa quanto a decisão negativa do juiz impedido ao pedido de declaração de impedimento interposto contra si. Pois, impõe que haja lugar ao recurso da decisão de indeferimento ao tribunal imediatamente superior independentemente das condicionantes processuais que lhe subjaz. É certo que quando se trata de impedimento por causa devida a presença de parentes ou afins interessados no processo, o impedimento do juiz é invocado apenas para parente ou afim, em linha recta ou segundo grau da linha colateral para casos de processo cível, ou até o terceiro grau da linha colateral nos casos de processo penal, não se estendendo para os restantes. Ainda assim, é um elemento de forte implicação incidental no processo judicial, protegendo os interesses das partes envolvidas na relação material controvertida e, mais que tudo, garantindo a imparcialidade de que necessita a realização da justiça.

    Devido aos abalos que tem sofrido o princípio da imparcialidade na sua dimensão mais ampla, hoje a doutrina, fundamentalmente filosófica, já coloca a questão de saber se o Direito persegue melhor a justiça que a Moral, sobretudo assente na religião. De todo o modo, permanece válido e inquestionável a ideia de que o princípio da imparcialidade é o garante do alcance da justiça. E como tal a abstenção normativamente “forçada” do juiz de julgar factos de que seja parte é fundamental para a realização do ideal perseguido pelo Direito: a justiça.

    Sem comentários:

    Enviar um comentário

    Fashion

    Beauty

    Culture