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    sábado, 14 de junho de 2014

    NAÇÃO, PÁTRIA E ESTADO: DO CONCEITO IDEOLÓGICO A REALIDADE POLÍTICA - Albano Pedro

    Desde a independência da República de Angola que o slogan “Um só povo e uma só nação” se tornou num pretexto de unificação dos angolanos em torno de um ideal de sociedade. Um pretexto de relançamento social pós-colonial e um pretexto de organização e desenvolvimento dos angolanos na base de um sentimento comum de pertença aos valores políticos, económicos e culturais. Era um slogan de forte valor mobilizacional, desde a independência ao final dos anos 80 altura em que Angola era governado na base de um modelo de Estado de economia centralizada e de partido-único. Era então um slogan que servia fundamentalmente interesses ideológicos da política dominante. Passados anos e enterrado (pelo menos formalmente) o sistema de partido-único e de Estado de economia centralizada, o exame sobre a ideia de unidade nacional do povo merece alguma atenção a partir dos conceitos que lhes subjazem ou lhes são inerentes. Se analisada na essência, uma nação entre os angolanos é simplesmente impossível pelos factos lógicos que vamos a debitar. O conceito de nação está ligado a origem sanguínea e biológica comum e nos dias de hoje o conceito corporiza a ideia de unidade cultural. Dizer uma só nação para os angolanos seria então negar a existência de várias culturas (vários grupos etnolinguísticos – como são os ambundu, cokwes, bakongo, nganguelas, ovambos, etc. – constituindo um arquipélago de laços culturais autónomos de fundo sanguíneo e biológico assim percebidos dos seus ancestrais. O conceito de nação exalta o sentimento de pertença cultural a um grupo social especifico. Um grupo unido pela identidade cultural e de duração indefinida no tempo desde os períodos mais remotos da sua história. É diferente do conceito de Pátria que está relacionado com a ideia de ligação telúrica (ligação a terra) que bem exprime o seu étimo do latim patrius, que quer dizer terra dos antepassados. Assim, Pátria esta relacionada com os pertences físicos deixados desde os ancestrais. Os bens materiais que exprimem a existência histórica do individuo desde a sua origem. Todo o património, onde se destaca a terra ou a propriedade fundiária com os seus derivados imobiliários que venham a integrar a titularidade de propriedade sobre bens. Ou seja, a Pátria só existe quando o individuo está vinculado a sociedade por título de posse (reconhecida pela sociedade) ou propriedade (reconhecida por lei). Por um direito ligado a terra ou bem imóvel, bem como os bens móveis a eles ligados (acessorium sequitur principale) que sejam pertença sua por vínculo aos seus ancestrais. Alguns exemplos podem ser chamados para a destrinça das dimensões de Nação e de Pátria. Ao longo do período pré-colonial e mesmo colonial, os escravos não tinham nação e nessa condição eram equiparados aos estrangeiros no que tange a legitimidade de pertença nacional, com a diferença de estarem reduzidos a coisas (res), integrando o património do seu senhor e por isso estando sujeito a transacções tal como acontece a qualquer mercadoria. Não tinham nação porque eram deles extraídos para servirem a outros povos – quando a saída do seu meio social (grupo étnico-linguistico) acontecesse. Mantendo-se nela a dimensão nacional prevalecia apenas na lógica de mero enquadramento geo-histórico já que a Pátria desaparecia com a sua conversão nessa condição. Os povos ocupados, entretanto ao perderem os seus bens titulados desde os ancestrais perdiam a Pátria, embora preservando a nação. Dos exemplos decantamos que não é possível nação sem pátria e vice-versa. Qualquer das dimensões implica a outra para que se realize axiologicamente a integridade moral e ética do indivíduo em relação a sociedade em que pertence. Os povos nómadas são exemplos de Nação sem Pátria, enquanto os estrangeiros podem aceder a Pátria sem Nação. Ambas as dimensões são de tal modo dependentes que sem os mesmos não se fala em Cidadania. A cidadania plena significa legitimidade de pertença biológica e patrimonial. Isso, mesmo as constituições modernas reconhecem quando garantem o estatuto de cidadão, aos indivíduos com vínculo de sangue (Nação) ou solo – terra (Pátria). A dependência está no facto das relações de sangue (Nação) implicarem ligações telúricas (Pátria) ao Estado de que se é nacional. Desde logo, a Angola não é pátria para muitos (no sentido jurídico e não histórico como veremos abaixo) embora desta maioria seja nação. Enquanto para o conceito de Nação, a ideia está no nascimento e desenvolvimento do indivíduo num grupo social definido, a Pátria diz respeito a posse efectiva – e por direito ancestral – de bens imóveis (especialmente terras) nos quais se pode dar a continuidade da descendência. Portanto, a Pátria exalta o sentimento de pertença patrimonial. Os sentimentos que a Nação e a Pátria inspiram nos indivíduos, embora correlacionados, não se confundem, uma vez que a Nação está para o povo tal como a Pátria está para o território. O patriotismo reflecte os valores que inspiram a defesa do território, enquanto que o nacionalismo diz respeito a defesa dos valores do povo. Por dizer respeito a dimensão intangível ou espiritual, o nacionalismo pode ser exacerbado chegando aos limites do fundamentalismo com todos os seus efeitos nefastos que desequilibram a harmonia entres os indivíduos na mesma sociedade. A defesa dos valores religiosos (em Angola cresce a onda de hostilização das igrejas não católicas), culturais (os homossexuais estão a ser combatidos em muitos quadrantes), artísticos (há dirigentes que desdenham e não dão espaço a música e a dança kuduro), etc., são provas da dimensão nacional das pessoas que como se percebe facilmente descamba em sentimentos doentios. É em nome do nacionalismo que Adolf Hitler levou o mundo a II Guerra Mundial, da mesma maneira que actualmente motiva muitos ditadores de se sentirem no direito de governar sobre os povos em nome da protecção dos seus valores. Os crimes contra a humanidade e as grandes barbaridades são praticados em nome do nacionalismo. Daí as revoluções violentas – por assentarem em nacionalismos febris – sejam perigosas devido a obsessão dos seus agentes pelos valores do povo, muitas vezes mal compreendidos (Cuba foi formada na base de um sentimento nacionalista, mas seguramente, o povo cubano jamais desejou viver a privações do comunismo – o exemplo serve igualmente para muitos países africanos, incluindo Angola). O patriotismo, porém, jamais alcança dimensões fundamentalistas. Não é possível pelo simples facto de ser histórico de que para a protecção da integridade territorial todos os meios são poucos e por isso necessários. E o mundo não concebe exageros quando se trata da defesa do território. Via de regra, os valores de pátria animam os militares nas frentes de combate e o povo que se prepara para conter uma invasão ao seu território. Sem os valores de pátria ninguém está verdadeiramente motivado a defender o Estado contra invasões externas. Num latifúndio preste a ser tomado por invasores, os assalariados, temendo o perigo das suas vidas, abandonam sem cerimónias o latifundiário que é afinal o único que deve reagir contra a invasão em nome do seu legítimo património. Da mesma maneira que soldados estrangeiros, quando não mercenários, são os menos motivados num exército em actividade militar intensa. Aliás, o Patriota (do grego patriotes – donde o termo Patrício - identificava o cidadão romano da alta classe social (nobreza) e a organização militar romana reflectia claramente a relação de Pátria e o individuo. Os graus militares eram atribuídos em função da condição patrimonial. Os detentores de grandes posses eram os centuriões (hoje seriam os generais) e eram os que comandavam as legiões montados a cavalo com vestes militares distintas e ostensivas. Os decuriões (oficiais subalternos) e os legionários (soldados) eram os plebeus e escravos. A lógica do sistema militar romano assentava no facto de o interesse pela defesa aguerrida da pátria estar muito mais na vontade dos patriotas (patrícios) do que dos restantes extractos sociais pelo facto de serem os maiores possuidores de bens patrimoniais. Aliás, a Pátria da origem ao conceito de República (do latim, res publicae ou coisa pública exprimindo o conjunto dos bens públicos. O que é o mesmo que património público nos dias de hoje) e vem da organização de Roma que bem reflectia a importância da ligação patrimonial do individuo na defesa da integridade do território. Ou seja, quanto maior a capacidade patrimonial, maior o sentimento patriótico. O Estado por sua vez é uma realidade jurídica (síntese das dimensões política e económica como veremos) em que tradicionalmente se identificam o território, o povo e o poder político. Vem desta tríplice perspectiva do Estado a divisão das constituições modernas – a nossa é aqui tomada como referência - em três partes, quais sejam: primeira parte que versa sobre a organização da república - Território (do art.º 1º ao art.º 21.º), a segunda sobre direitos fundamentais – Povo (do art.º 22.º ao art.º 104.º) e a terceira sobre a organização do poder do Estado – poder político (a partir do art.º 105.º). As mais recentes correntes das Ciências Políticas resumem o Estado ao substracto humano: o povo. Por ser o destinatário da própria ideia de Estado. Do ponto de vista teleológico, o Estado está para a harmonização dos interesses do povo através da imposição de uma autoridade (potesta) que é afinal a razão da organização política e económica da sociedade. Ora, ao conceito de território, subjaz a ideia de Pátria, enquanto ao conceito de Povo, subjaz a ideia de Nação. Consequentemente, destas duas realidades resultam o facto de que a Nação está para a expressão política de um povo tal como a Pátria está para a expressão da sua economia. É da expressão económica do Estado que se toma o conceito de República por exaltar a pertença patrimonial sobre o Estado. Então, Estado é a forma jurídica da Nação e da Pátria. A forma jurídica da realidade política e económica de um povo, se quisermos um resumo. A nação e a pátria corporizam juntos a ideia de soberania de um povo. Historicamente, a Nação e a Pátria (portanto, a soberania dos angolanos) foram interrompidos ao longo do processo de colonização de Portugal sobre os territórios dantes ocupados pelos diferentes povos de Angola. Impôs-se a nação e pátria (soberania) de um outro povo: o português. Os angolanos passaram a nascer em solo português e a constituírem laços telúricos em território dominado pelo colonizador. Depois da colonização, ao povo foi devolvido parcialmente a nação com a independência de Angola, entretanto, a Pátria deixou de existir com a nacionalização do território e da propriedade fundiária. A devolução parcial que ainda persiste nos dias de hoje resulta do reconhecimento jurídico-legal (via constitucional) do povo e suas liberdades fundamentais sem que tal se traduza na realidade fáctica. Já a Pátria não nasceu por supressão legal. Nesse sentido, a Lei Constitucional – LC (Constituição, segundo o legislador) atesta que «A terra, que constitui propriedade originária do Estado, pode ser transmitida para pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e efectivo aproveitamento, nos termos da Constituição e da Lei.» (art.º 15.º, n.º1). A Pátria resultaria de a terra pertencer originariamente ao povo; aos indivíduos que o compõem. Não se concebendo nesse caso que as pessoas colectivas tenham acesso directo a terra por não poderem exprimir sentimento de pertença patriótica. Assim, não é possível falar-se em dever patriótico ou em apelos a defesa da pátria, por esta dimensão material não existir em cada um dos angolanos devido a deliberada expropriação operada por via constitucional. E aqui reside a essência da ruptura entre a constituição originária (reconhecida legalmente ao povo – art.º 3.º - LC) e a constituição derivada (materializada pelos deputados, cuja representação efectiva do povo é assim posta em causa). Destarte, não faz sentido que Angola seja uma só nação. Pelo contrário, são várias nações, embora não sejam legalmente reconhecidas como tais. Tal como não faz sentido que exista uma Pátria e em consequência uma República. Pois, os angolanos estão despidos de titularidade de terras, quebrando os vínculos telúricos, por via constitucional. Todavia, o Estado, esse conceito vai sendo imposto pela via legal a partir do seu nascimento operada pela independência (de uma República materialmente inexistente) como justo título jurídico originário, porém progredindo sem a sua dimensão política (Nação) porque ao povo é negado as liberdades fundamentais e sem a dimensão económica (Pátria) porque ao povo é igualmente negada a propriedade sobre a terra. Como ficou claro, ambas as dimensões não podem ser compreendidas isoladamente no que tange a ideia de Estado e da soberania do povo. Portanto, o povo angolano não é soberano como as normas constitucionais consagram. Dixit.

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