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    sábado, 14 de junho de 2014

    NAÇÃO, PÁTRIA E ESTADO II: DO NACIONALISMO AO PATRIOTISMO - Albano Pedro

    No processo de formação de uma sociedade observa-se num primeiro momento a formação da Nação e num segundo momento a Pátria, embora pareçam, em geral, simultâneos no seu surgimento. O facto reside na simples lógica e que os homens formam uma sociedade e depois escolhem o local (território) para assentá-la, embora o contrário seja igualmente possível – aqui não consideramos as excepções – perversões se quisermos - a essa regra, que são os já citados (no texto anterior) povos sem Pátria (Ex. os nómadas, como os povos ciganos e entre nós os Kung de Angola – Bosquímanos). Assim é o processo de formação da maioria das sociedades africanas que iniciaram com a Nação e por fim realizaram a Pátria depois de os seus povos protagonizarem longas migrações. Angola é um exemplo disso. Os bantu – dos quais a maioria dos angolanos descende -, ocuparam os territórios demarcados actualmente como Angola depois de longas e milenares migrações desde o continente asiático. A formação das nações bantu deu-se de modo ambulatório ao longo de milhares de anos. Porém, percebe-se que a aquisição do sentimento patriótico é um dado posterior a ideia de Nação já perfeitamente formado na consciência dos bantu. Nesse aspecto, o Estado como síntese jurídica da Nação e da Pátria resulta dos movimentos constitucionalistas nascido da revolução burguesa que derrubou a monarquia vigente ao longo do período medieval com as chamadas sociedades estamentárias, i.é, constituídas por estamentos ou classes sociais rígidas e incomunicáveis – no sentido de interacção - entre si, designadamente camponeses, burgueses, nobres e clero. O derrube da nobreza e dos seus privilégios assegurados pelo clero sobre as restantes classes deu lugar ao conceito jurídico de Estado (porque nascido do direito concertado socialmente – Cfr. Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau e das ideias iluministas de outros pensadores europeus da época). O Estado ou sociedade constitucional nasceu com o movimento liberal – Estado Liberal (que foi um outro extremo em relação ao Estado estamentário) que por sua vez foi superado pelo Estado Neoliberal, Estado social, etc., na busca de uma sociedade cada vez mais harmonizada aos interesses de todos com fundamento na constituição. É o Estado moderno e pós-moderno que passa pelo nosso momento histórico. Portanto, do ponto de vista histórico e da própria sucessão dos elementos, a Nação é sempre anterior ao Estado, embora a Pátria nalguns casos seja simultânea ao Estado. O Povo namibiano é um exemplo de que a Pátria é simultânea ao Estado, pois a proclamação da independência (nascimento do Estado) foi simultânea a formação da Pátria, embora a Nação (representada pelo movimento de libertação – SWAPO) tenha sido anterior. Aliás, é a nação que suportou o movimento de libertação. De uma maneira geral, o Estados independentes pós-coloniais em África são desta configuração. Os Estados são simultâneos a Pátria (o que não é o caso de Angola cujo Estado usurpou a Pátria – Cfr. texto anterior sobre está temática). Entretanto, não são anteriores a Nação como algum sector da doutrina jurídico-constitucional angolana – cfr. Jurista e constitucionalista Adérito Correia – pretende insinuar, quando defende que em Angola, a Nação está num processo de formação depois da independência. Jamais a Nação será posterior ao Estado por formar o seu substracto humano. Pois, sem o povo de que emana a Nação, o Estado não existe pura e simplesmente. Já a proclamação da República de Angola resultou numa contradição constitucional na medida em que a Pátria que lhe subjaz não foi consagrada no texto magno desde então. O Estado como síntese jurídica da Nação e da Pátria, representa ambas dimensões cristalizadas pelos direitos fundamentais dos quais nascem os Deveres Cívicos (Cives – cidade) ou deveres de cidadania em prol da harmonização dos interesses dos indivíduos. O patriotismo e o nacionalismo são anteriores aos deveres e direitos de cidadania e estabelecem uma relação com estes nos mesmos moldes que os direitos naturais (direitos anteriores a sociedade e como tais ligados ao homem enquanto ser) estabelecem com o Direito positivo (vigente na forma de lei e que corporiza o Estado). O sentimento nacionalista e patriótico é mais profundo e mais forte que os deveres de cidadanias e quando ameaçados provocam alterações na ordem constitucional de modos a estabelecerem novos deveres de cidadania e mais conforme com os mesmos. As revoluções violentas e os golpes de Estado são exemplos da força imperativa de fundo nacional e patriótico sobre os direitos fundamentais e a ordem política que estes legitimam. A cidadania é assim o estatuto jurídico do patriotismo e do nacionalismo estabelecendo os marcos delimitativos da sua manifestação nos indivíduos. Em Angola, o Estado Unitário consagrado constitucionalmente é uma ficção jurídica asfixiante. Suprime a pluralidade de nações e impõe a uniformização do sentimento nacional actuando como um perfeito instrumento de escravidão e alienação dos indivíduos. Vem disto a crise de identidade dos angolanos. E o que hoje é considerado crise de valores não tem outra causa na medida em que ao retirar a Pátria, em arrasto, o Estado promoveu uma pobreza generalizada (crise económica) entres os angolanos. O que responde ao ideal e projecto da colonização portuguesa. O Estado devia cumprir a sua missão harmonizadora das nações e das pátrias, o que seria possível com o projecto de Estado Federal reagindo positivamente a liberdade das nações e com um projecto de Pátria efectiva para cada um dos angolanos. O sentimento patriótico é o que justifica todos os meios possíveis para a sua manifestação sem sanções visíveis na ordem ética e jurídica internacional. Não existem meias medidas quando o assunto é defender o território contra os invasores. Apesar das extremas baixas sofridas pelos americanos ao longo da guerra de ocupação contra o Vietname, jamais os americanos (e o mundo de uma maneira geral) apontaram exageros nos morticínios causados pelos vietnamitas e seus dirigentes. Já o nacionalismo, via de regra, exalta hegemonia de uns contra outros desequilibrando a balança da igualdade entre os indivíduos e a ideia da justiça. Os exageros nesse campo são gravemente sancionados. Em 1994, o genocídio do Ruanda provocado pela Nação Hutu contra a Nação Tutsi levou as barras dos tribunais todos os seus mais destacados autores e as atrocidades condenadas pelo mundo. E tudo porque o nacionalismo ataca pessoas e seus interesses enquanto o patriotismo preserva bens e os direitos inerentes. Todavia, o exercício da cidadania implica a manifestação do sentimento nacionalista e patriótico. São partes intrínsecas da natureza das regras e princípios que forjam os direitos fundamentais consagrados no texto Magno. Entre nós, angolanos, o sentimento nacionalista é plurilocalizado – ou seja pode ser identificado como obedecendo a motivações distintas de acordo com as aspirações dos diferentes grupos étnico-linguísticos (ambundu, bakongo, ovimbundu, nganguela, cokwe, ovambo, etc.) que compõem os povos de Angola. Não é uniforme e nem é harmonizado. E até um certo ponto, não é benéfico a sociedade a sua manifestação por tender pela exaltação do regionalismo. Portanto, é um erro considerar nacionalista quem lutou pela expulsão da potência colonizadora do território angolano através dos movimentos de libertação. É patriota (pelo menos seria se este estatuto não fosse negado constitucionalmente – já conferimos o art.º 15.º da Lei Constitucional – LC, Constituição para o legislador). O nacionalismo em Angola não defende a integridade do Estado mas a hegemonia e até a separação dos povos (Cabinda e Lundas são exemplos). O sentimento regionalista de alguns povos de Angola resulta manifestamente de um justificado nacionalismo trazido desde a ancestralidade dos mesmos. Justificado porque o Estado nega os valores de Nação destes povos. O nacionalismo, entre nós, conhece duas nuances. Uma defendida pelo partido-Estado (MPLA) desde a independência e que persiste de modo injustificável nalgumas decisões institucionais. E outra que anima as tendências político-partidárias dos diferentes povos de Angola. Percebe-se que a tendência da FNLA ter apoios incondicionais na zona norte de Angola, a UNITA, na zona centro e sul de Angola e o MPLA tender para uma miscigenação é a manifestação dessa realidade operada desde as lutas de libertação. Por exemplo, a tendência para determinar o encerramento das igrejas islâmicas em Angola espelha um nacionalismo de Estado, por nascer da decisão dos governantes. Mas um nacionalismo fundamentalista por extrapolar a própria ideia de Estado plural e laica constitucionalmente consagrada. Ainda por cima podemos considerá-la um Nacionalismo Fundamentalista de Estado por ser agenciado pelo Executivo em nome de todo um conjunto de povos, que certamente não estão em acordo entre si nesta matéria. Os exemplos de nacionalismos são vários, mas em Angola têm de comum não defenderem em concreto valores do povo. Porque o povo angolano não é um e como tal identificado pelos mesmos padrões axiológicos como os governantes procuram impor. Daí que a cultura angolana não seja claramente padronizada de modos a ser homogeneamente representada entre outros povos. Disto resulta a permeabilidade aos valores culturais estrangeiros, sobretudo ocidentais por imporem alguma harmonia. Isso é para ser percebido com clareza, antes de ser condenado. Dixit.

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