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    segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

    CONTENCIOSO ELEITORAL

    CONFERÊNCIA CONTENCIOSO ELEITORAL Albano Pedro Jurista Texto de apoio elaborado para a dissertação do tema com o título epigrafado em representação do Professor Dr. Marcolino Moco na conferência sobre o Contencioso Eleitoral organizada e realizada pelo Grupo de Reflexão da Sociedade Civil no dia 24 de Julho de 2012. «Enquanto o regime for o que temos, não acredito em contencioso nenhum que funcione de modo a salvaguardar a segurança jurídica das eleições…» Marcolino Moco Jurista I. INTRODUÇÃO O tema Contencioso Eleitoral, assim proposto, sugere, pela grande abrangência e indefinida amplitude induzida pela sua concepção polissémica, uma exposição dispersiva de conceitos e institutos a volta desta forma de recurso judicial, ainda que tendencialmente orientado ao acto e processo eleitoral. O que certamente, nos levaria a perder de vista o sentido de orientação temática desejada nesta conferência, que é afinal, a necessidade de deslindar, ainda que em linhas breves, a sua manifestação legal e material num plano de análise que permita a sua clara e coerente percepção no contexto do processo eleitoral em curso. Sugerimos a abordagem sobre sua natureza e âmbito, tecendo considerações importantes sobre as suas implicações legais e políticas no contexto do processo e acto eleitoral angolano. Assim, a abordagem que exorbita os marcos conceptuais e temáticos propostos, seja reservada à prelecção de profissionais de foro (juízes em especial) que lidam materialmente com este fenómeno processual, a eles cabendo igualmente a sua inserção sistemática no ordenamento jurídico angolano sem excluir a necessidade de fundamentação técnico-legal dos diferentes modos e formas da sua manifestação como facto jurídico judicialmente relevante que enquanto conceitos doutrinários vamos procurar a apresentar na nossa dissertação. II. CONTENCIOSO ELEITORAL. CONCEITO, ÂMBITO E NATUREZA JURÍDICA 1. Conceito, âmbito e natureza jurídica do Contencioso Eleitoral A) Conceito – Numa perspectiva ampla (latu sensu) o Contencioso Eleitoral é definido como o controlo jurisdicional de todas as fases do processo eleitoral. Numa perspectiva restrita (strictu sensu) o Contencioso Eleitoral propriamente dito (propriu sensu) compreende o controlo jurisdicional sobre as irregularidades ocorridas durante a votação e no apuramento, parcial ou geral, dos resultados eleitorais. Em ambas as concepções, impõe-se que o controlo dos actos eleitorais seja feito por um tribunal, normalmente competente em razão da matéria, para que se fale em Contencioso Eleitoral. B) Âmbito – Se admitirmos a noção de Contencioso Eleitoral latu sensu teremos todos os actos pré-orgnanizatórios, organizatórios inerentes ao processo eleitoral em toda a sua plenitude bem como os actos finais relacionados com a votação e o apuramento dos resultados eleitorais. Já se nos revermos no conceito de Contencioso Eleitoral strictu sensu apenas a votação e actos subsequentes de relevância eleitoral integram este conceito. C) Natureza Jurídica – Há factores que levam a discutir se o Contencioso Eleitoral tem natureza administrativa (na medida em que o processo eleitoral é conduzido pela CNE enquanto órgão tendencialmente integrado na administração independente do Estado) ou natureza constitucional (devido a competência jurisdicional atribuída ao Tribunal Constitucional). Na verdade, a falta de um Tribunal Eleitoral, enquanto órgão de jurisdição exclusiva, e a falta de previsão normativa de um Contencioso Eleitoral na Lei n.º 2/94 – Lei da Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA) contribuem para a indefinição clara da natureza jurídica desta espécie de processo. Para a doutrina portuguesa, na esteira do professor José Vieira de Andrade, o Contencioso Eleitoral é uma forma de processo de impugnação urgente enquanto subgrupo das impugnações dos actos administrativos. A legislação portuguesa é claramente concordante com esta perspectiva, prevendo a sua inserção normativa e sistemática no Código de Processo do Tribunal Administrativo (CPTA). Entre nós, a Lei n.º 3/08 – Lei Orgânica do Processo Constitucional embora reconhecendo a competência jurisdicional em matéria eleitoral a favor do Tribunal Constitucional (TC) remete os procedimentos correspondentes ao Contencioso Eleitoral à disciplina normativa da Lei Eleitoral (art.º 57º e ss) perfeitamente admitida através da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (LOSEG) nos seus art.º 6.º, 153.º e ss. O que revela, enfim, a sua natureza administrativa, embora arrastando consigo um outro debate, de interesse puramente académico, que é o de determinar a natureza jurídica da CNE (se é um órgão da Administração Independente do Estado) como espécie nova na sistemática jurídico-administrativa angolana. Assim, seria concordante com o nomen iuris dominante em processos administrativos a denominação RECURSO CONTENCIOSO DO ACTO ELEITORAL ou simplesmente RECURSO CONTENCIOSO ELEITORAL. 2. Contencioso Eleitoral. Competência Subjectiva e Objectiva. A LOSEG determina que têm competência para recorrer contenciosamente dos actos eleitorais, os partidos políticos, coligações de partidos políticos, candidatos e seus mandatários (art.º 156.º). Em homenagem da regra hermenêutica deduzida da vontade legislativa superavitaria (magi dixit quam voluit) entende-se por candidato os cabeças de listas e os candidatos a deputados à Assembleia Nacional contra a percepção redutora de cabeças de listas. A LOSEG também determina que os interessados podem interpor recurso para o TC sobre decisões proferidas pela CNE determinadas reclamações estipuladas ex-lege e das decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações referentes ao apuramento nacional do escrutínio. É de grande interesse notar que o legislador esforçou-se em conformar o contencioso eleitoral as espécies de recurso contencioso urgentes a semelhança da legislação e doutrina portuguesa acima referida. Tal é perceptível na economia processual que prioriza o Recurso Contencioso em substituição do Recurso Hierárquico que viria a entrepor-se como um degrau procedimental entre a Reclamação e o Recurso Contencioso Eleitoral e com ela engendrar uma certa morosidade processual. Pois, a LOSEG determina a precedência obrigatória da Reclamação para qualquer Recurso Contencioso Eleitoral declinando qualquer valor ao recurso hierárquico eleitoral, por claro imperativo de ordem temporal (prazos). Certa doutrina doméstica, adiantada pelo jurista e cientista político Nelson Pestana “Bonavena” procura justificar a supressão do mecanismo do Recurso Hierárquico no Processo Gracioso Eleitoral como nascendo da ideia de que a CNE é um órgão da Administração Independente do Estado e como tal deslocado do quadro hierárquico administrativo do Estado, o que colocaria dificuldades para a efectivação de um Recurso Hierárquico, como instrumento de solução de diferendos extra-judicial entre o particular e Administração Pública, por simples inexistência de um superior hierárquico a quem recorrer em caso de insucesso da Reclamação. Embora, a independência da CNE seja a ideia inicial do legislador, o facto é que a sua materialização sofreu uma grave ruptura epistemológica, de tal maneira que no plano normativo a intenção legislativa desapareceu com a interferência do poder Executivo no processo de provimento dos cargos deste órgão da administração eleitoral. Na verdade, é difícil admitir a existência de um órgão da administração pública verdadeiramente independente no sistema jurídico angolano. A esse propósito um outro sector da doutrina angolana, pontificada por Cremildo Paca, se apresenta com os seguintes argumentos: “…A discussão sobre a independência tem apaixonado tanto, porquanto a centralidade da abordagem reside em saber se é possível haver independência num modelo de administração de inspiração prussiana, construído a partir das referências da hierarquia e da centralização…” e mais adianta que “Para agravar a situação da dúvida sobre a independência, está o facto de a Constituição proclamar a superioridade do Governo (percebe-se hoje Poder Executivo) sobre o conjunto das administrações públicas, respondendo politicamente pela actuação deste conjunto perante o Parlamento…” e conclui: “Por estas razões, subsistem as hesitações sobre a atribuição de um estatuto jurídico de independência a outros entes administrativos que não se achem ligados ao Governo directa e indirectamente.” (in: As Autoridades Administrativas Independentes e o Provedor de Justiça no Direito Angolano, pp. 156-157, 1ª edição – Outubro /2011. Edições Maianga). Preferimos a ideia de que a supressão do Recurso Hierárquico é fruto da necessidade de economia e celeridade processual para responder as exigências políticas de cumprimento de calendário eleitoral e justificar a sua inserção sistemática na LOSEG correspondendo as espécies urgentes de impugnação administrativas vigentes em sistemas jurídicos em que normalmente nos inspiramos como é o português. Até porque o legislador não curou de averiguar a natureza jurídica da CNE para suprimir este mecanismo jurídico-administrativo no processo gracioso de que é competente este órgão. 3. Contencioso Eleitoral e Processo Eleitoral. Comparações necessárias O Contencioso Eleitoral refere-se aos procedimentos judiciais sobre os actos eleitorais e como tais decorrentes de processos interposto ao TC. Já o Processo Eleitoral faz referência a todos os actos praticados pela CNE na condução do processo eleitoral. Este refere-se ao recurso Gracioso ao qual cabe apenas a Reclamação sobre os actos praticados pela CNE e aquele refere-se ao Recurso Contencioso. III. CONTENCIOSO ELEITORAL. DIREITO CONSTITUIDO No nosso sistema jurídico, o Contencioso Eleitoral não goza de previsão constitucional directa, como acontece em Portugal. O que remete a sua previsão normativa ao mecanismo genérico das garantias constitucionais inerentes a impugnabilidade dos actos lesivos de interesses e direitos abstractos (art.º 29.º - Lei Constitucional – LC – Constituição segundo o legislador), também conhecido como tutela jurisdicional efectiva. Já o regime do processo eleitoral e do respectivo contencioso são maioritariamente disciplinados pela LOSEG vigente desde 2011 que adopta como conceito legal a definição strictu sensu do Contencioso Eleitoral, prescrevendo que «Quaisquer irregularidades verificadas durante a votação ou no apuramento parcial ou nacional dos resultados do escrutínio podem ser impugnadas por via do Recurso Contencioso, desde que tenham sido reclamadas no decurso dos actos em que tenham sido verificadas» (art.º 153.º), limitando o prazo de recurso para 48 horas a contar da notificação da decisão da CNE (art.º 157.º) e conferindo efeito suspensivo das decisões recorridas (art.º 158.º). 1. A tramitação do Recurso Contencioso Eleitoral inicia com a interposição de um requerimento contendo as respectivas alegações, seus fundamentos e conclusões, devendo igualmente ser acompanhado de meios de provas em documento ou mediante descriminação indiciária da sua existência (art.º 159.º). 2. Havendo lugar ao provimento do Recurso Contencioso Eleitoral, o TC ordena a notificação dos contra interessados para, querendo, se pronunciarem mediante contra alegações no prazo de 48 horas. As contra alegações devem conter os requisitos exigidos para o requerimento. 3. O processo de Recurso Contencioso Eleitoral é isento de custas judiciais e tem prioridade sobre o restante expediente do TC. 4. A decisão final é proferida pelo Plenário do TC no prazo de 72 horas a contar do termo do prazo de apresentação das contra alegações e é notificada as partes e à Comissão Nacional Eleitoral. O prazo da tramitação e decisão do Recurso Contencioso Eleitoral é de 168 horas equivalentes a 7 dias (contando os dias nos termos dos prazos processuais, i.e., dias úteis). IV. CONTENCIOSO ELEITORAL. INSUFICIÊNCIAS ORGÂNICAS E PROCESSUAIS. A eficácia de um Contencioso Eleitoral e a celeridade dos respectivos processos são prejudicados, por um lado pela inexistência de um Tribunal Eleitoral enquanto instância judicial especializada, tendencialmente composta por juízes indicados segundo o modelo de eleição livre de formas a garantir a sua completa independência do poder Executivo; e por outro lado, pela inexistência de Regulamentos que materializem a aplicabilidade concreta da legislação eleitoral aos factos de relevância eleitoral e que retire uma certa carga discricionária nos actos judiciais praticados pelo TC em detrimento dos interesses e direitos dos interessados. Para além de que já é notória a ausência de uma legislação processual autónoma em matéria eleitoral que articule cautelosa e prudentemente os actos inerentes ao Recurso Gracioso e Contencioso Eleitoral. V. CONTENCIOSO ELEITORAL. A PROBLEMÁTICA DA INDEPENDENCIA DOS ÓRGÃOS ELEITORAIS E DA INTERVENÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS NO PROCESSO ELEITORAL Seria desejável que a CNE fosse um órgão da Administração Independente do Estado cabendo a mesma completa autonomia orgânica, funcional e financeira por razões de necessidade de independência das suas decisões. Da mesma forma, é discutível o estatuto de órgão independente reconhecido ao poder judicial representado pelo TC. O que é facto é que o TC e a CNE sofrem consideráveis influências do poder Executivo (pela indicação e nomeação dos titulares dos seus órgãos), em meio a uma consagração legal do desvio de poderes, comprometendo o sentido de imparcialidade das decisões bem como fomentando conflitos eleitorais que seriam evitados caso fosse reconhecida materialmente a independência destes órgãos. VI. CONTENCIOSO ELEITORAL. A QUESTÃO DA TRANSPARÊNCIA DOS PROCESSOS ELEITORAIS E A PREVENÇÃO DOS CONFLITOS EMERGENTES DOS ACTOS ELEITORAIS. Numa realidade administrativa eleitoral, como é a angolana, completamente manipulada pelo Executivo, é quimérico desejar que haja transparência nos processos eleitorais como, aliás, não tem acontecido desde o inicio do processo eleitoral. A esse propósito o Dr. Marcolino Moco, eminente jus publicista angolano, expende a seguinte opinião: «…quanto a questão concreta do contencioso eleitoral, na linha do que tenho expressado sobre as condições de actuação dos tribunais (…) continuo a reconhecer a boa capacidade técnico-jurídica do tribunal constitucional, mas é vergonhoso (…) desde o caso da fiscalização preventiva da nova constituição, passando pelo caso FNLA (…) e fico com a ideia de uma instrumentalização política, pelo seu Presidente José Eduardo dos Santos inaceitável no nosso TC, no quadro aliás de uma deterioração da função do poder judicial desde o fim da guerra. Paradoxalmente, com casos como Miala, Suzana Inglês, etc, etc., ninguém pode esperar justiça do que será o contencioso eleitoral. Enquanto o regime for o que temos, não acredito em contencioso nenhum que funcione de modo a salvaguardar a segurança jurídica das eleições…» VII. CONCLUSÕES Chegados a este porto, resta-nos concluir que o Recurso Contencioso Eleitoral angolano é gravemente fragilizado pela interferência permanente do Poder Executivo e como tal retira grande parte das nobres expectativas dos eleitores quanto a possibilidade de um processo eleitoral justo e transparente. Dixit.

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