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    domingo, 16 de outubro de 2016

    «Chegou o momento de publicar tudo quanto já escrevi desde a minha adolescência» Entrevista de ALBANO PEDRO ao Semanário Angolense

    Advogado de profissão, docente universitário e artista plástico por vocação, cedo, descobriu a sua veia literária, mas só agora surgiu à luz dos holofotes. Albano Pedro tornou-se conhecido nas lides jornalistas devido aos artigos de cunho jurídico que ele tem vindo a publicar, ao longo de vários anos, em distintos órgãos da imprensa escrita, dentre os quais o Semanário Angolense, onde actualmente assina a coluna «Da Lei & Arredores. De uma só sentada, lançou esta semana duas obras literárias: Assim Nasce Uma Nação e Ensaio Sobre a Essência da Relação entre o Homem e a Mulher. Em entrevista ao Semanário Angolense, ele fala da sua relação com o mundo das letras e dos seus projectos literários. Ilídio Manuel (Texto) Nunes Ambriz (Fotos) Semanário Angolense (SA) – Acaba de estrear-se no mundo das letras com duas obras: Assim Nasce Uma Na¬ção e Ensaio Sobre a Essência da Relação entre o Ho¬mem e a Mulher, ambas ligadas à sociologia e à filosofia da natureza. Como jurista esperava-se que privilegiasse os temas de cariz jurídico... Albano Pedro (AP) – Muita gente não esperava que escre¬vesse temas de sociologia e filosofia (risos). A maioria do pú¬blico leitor que me conhece nas lides da escrita e, sobre-tudo, aquele que não faz parte do meu círculo de amizade e intimidade, acha que eu sou um ju¬rista a tempo inteiro (que pensa e fala Direi¬to em todos os momentos e ocasiões). O que se passa é que antes de me tornar jurista já escrevia literatura criativa e ensaística, e as primeiras impressões de Assim Nas¬ce Uma Nação e Ensaio Sobre a Essência da Relação Entre o Homem e a Mulher remontam à minha adolescência. Iniciei, na realidade, a escrever no final da minha adolescência, aos 16 anos, depois de ter sido estimulado pela minha professora de língua por¬tuguesa, na escola Mutu-Ya-Kevela, em Luanda; ela classificou um poe¬ma meu como o melhor trabalho da turma, mas, antes disso, era conhe¬cido como desenhador. Confesso que nasci com um certo talento para as artes plásticas, visto que durante a minha infância e ado¬lescência fazia desenhos para os meus colegas e amigos. No Mutu-Ya-Kevela, eu e o Kabudy Ely, hoje um artista plástico afirmado, éramos os melhores alunos de desenho li¬vre durante o tempo em que lá estudamos. Os meus desenhos chegavam a «desaparecer» dos arquivos da escola, por acção de estudantes preguiçosos! Na juventude, cheguei a publicar banda-desenhada e cartoon no Jornal de Angola. Durante o curso médio de artes plásticas, a Dra. Irene Guerra Marques, filóloga e professora de língua portuguesa, encheu-me de elogios à conta de um poema que dediquei ao poeta e nacionalista António Jacinto. Em toda a minha adoles¬cência, escrevia cartas de amor para os meus amigos que pro¬curavam conquistar as suas «princesas», já que era solicitado pela beleza dos versos de amor que compunha. No período em que pratiquei artes plásticas, com alguma intensidade, comecei a despertar também para outras ver¬tentes das artes, empenhando-me a escrever poesia e prosa. Mesmo antes de frequentar o curso de Direito, já contava com centenas de poemas, ensaios e romances escritos. Lembro-me que naquela fase já escrevia textos de crítica de arte na revis¬ta o «Chá», da Associação Chá de Caxinde, e de ter levado o manuscrito de um romance ao Arlindo Isabel, que, na altura, dirigia uma editora, entretanto já desaparecida. Mas, ele não mostrou nenhum interesse em publicá-lo. SA- Mas, pelos vistos, não recuou… AP- Não, recuei, porque estava decidido a afirmar-me no mundo das letras. Pouco tempo depois entreguei ao editor da referida revista, o escritor Jacques dos Santos, um outro ro-mance que contava com dois volumes, intitulado Uma Ango¬lana Em Paris. O livro retratava a estória de duas jovens ami¬gas que enveredaram pelo mundo da moda e da alta-costura, chegaram a conquistar as passarelas do mundo exibindo um final feliz, num enredo preenchido por um drama amoroso. A obra visava estimular os leitores juvenis para a criação de há¬bitos de leitura de cenas agradáveis; uma estória recheada de glamour e alta classe para uma sociedade em que a prosa era orientada a obedecer a lógica revolucionária. Eu achava que tinha chegado a altura de ser lançada uma literatura juvenil que não perderia em qualidade com as no¬velas estrangeiras ou romances perfeitamente adaptáveis a novelas de televisão ou, mesmo, a produções cinematográficas internacionais. Essa percepção surgiu, sobretudo numa altu¬ra em que assumi a presidência da Associação dos Leitores de Bibliotecas de Luanda (ALBA), tendo sido coadjuvado pelo jorna¬lista e escritor Cláudio Fortuna, então secretário-geral dessa orga-nização. Naquela altura, chegamos à conclusão que o problema da falta de hábitos de leitura não estava propriamente nos jovens, mas na ausência de uma literatura verdadeiramente juvenil que fosse ao encontro dos seus sonhos e fantasias. Infelizmente, o Jacques dos Santos achou que o romance não merecia ser editado, acabando por manifestar o mesmo pessimismo antes demonstrado pelo Arlindo Isabel. Compreendi, então, que os editores nacionais não estavam abertos a uma literatura comple¬tamente criativa e que se demar¬cava dos marcos ideológicos e da censura então existentes. Isto jus¬tifica o facto de não ter publicado qualquer obra literária naquela altura. O mesmo se passou com a ban¬da desenhada, na qual cheguei a criar e desenhar uma estória de ficção denominada Polícia de Choque (nessa altura os anti-mo¬tim ainda não existiam) que fazia lembrar filmes americanos, com bastante acção e cenas de combate ao crime organizado. Enviei o tra¬balho ao Jornal de Angola para ser publicado, mas foi, pura e simples¬mente, rejeitado. Lamentavelmente, naquela al¬tura não existiam outras publicações que podia usá-las como alter¬nativa. Foi assim que abandonei a banda desenhada. Quando disse que até 2015 irei lançar, pelo menos, 10 obras no mercado não se tratam de livros por escrever, mas sim já escritos. De facto, eles estão escritos há anos, alguns dos quais há mais de duas décadas. Um deles é precisamen¬te o romance Uma Angolana Em Paris que, julgo, poderá responder à procura de romances modernos entre os jovens, sobretudo rapari¬gas. Em relação às obras de temáti¬ca jurídica, tenho livros para pu¬blicar nos próximos tempos; obras técnicas (para acudir as necessi¬dades dos estudantes, na minha qualidade de docente e de forma¬dor profissional em Direito), assim como tenciono eternizar em livros os vários textos que tenho escrito e publicado nos distintos órgãos de imprensa. SA- A que se deve a «febre» de lançar duas obras em simul¬tâneo? AP- Na verdade, seriam 4 livros em simultâneo: um de diálogo, um ensaio, um cântico e, por fim, um romance. Queria oferecer várias opções aos meus leitores para ver qual dos géneros literários seria o mais solicitado e assim definir prioridades futuras. Por razões técnicas, apenas o diálogo Assim Nasce Uma Nação e o Ensaio So¬bre a Essência da Relação Entre o Homem e a Mulher foram apron¬tados nos prazos definidos. Então, os outros vêm a seguir e um de¬les será precisamente o romance Uma Angolana Em Paris, com a qual pretendo apresentar as ba¬ses teóricas do movimento estético que denomino «neometropolita¬nismo». O lançamento de várias obras num curto espaço de tempo resulta do facto de ter chegado o momento de começar a publicar tudo quanto já escrevi e vou escre¬vendo. O problema sempre esteve na localização de uma editora que pudesse tratar de publicar com o profissionalismo que se impunha e essa oportunidade se despontou no Brasil, depois de vários contactos fracassados com várias editoras em Angola. Portanto, são obras que já deviam ser publicadas há já algum tempo. Daí estarem a sair em quantidades industriais para o espanto dos leitores que nunca viram sequer um livro meu publi¬cado. SA- Sente-se satisfeito com a edição feita no Brasil? AP- Naturalmente, visto que foi a melhor oferta em termos de ser¬viços gráficos de que tive acesso em toda a lusofonia. E há uma parti¬cularidade interessante: é o maior mercado livreiro entre os falantes da língua portuguesa. O que me parece ser o espaço ideal para as¬sentar a minha carreira como es¬critor, sem desprimor de todos os outros países da lusofonia. É pena que os livros passam a ser livros brasileiros, integrando o acervo literário do Brasil, mas no mundo globalizado de hoje situações do género começam a ser inevitáveis. Os livros estão a ser vendidos no Brasil mas, espero que no futuro surjam editoras angolanas inte¬ressadas também em publica-los. SA- O que de essencial trata o livro Assim Nasce Uma Nação e por que preferiu o diálogo? AP- É uma obra de crítica so¬cial, bastante polémica e muito rara no mercado literário ango¬lano. Trata-se de uma pequena «bíblia» de cidadania que lanço ao público, devido aos problemas de crise de valores e de identidade que a nova geração de angolanos vem conhecendo. Os angolanos, de uma maneira geral, não conhecem a sua própria história e têm neces¬sidade de perceber como surgiu o nosso país, desde os antigos reinos bantu, a forma de organização po¬lítica, económica, social e cultural de Angola, os modelos administra¬tivos e económicos adequados ao estabelecimento de um Estado de Direito e Democrático assim como o processo de desenvolvimento apontados como soluções para o presente e futuro dos angolanos. O livro contém 240 páginas, está dividido em 2 partes e com¬porta 12 capítulos. Na primeira parte, existe o diálogo político e na segunda o filosófico. Os temas abordados têm a ver com Deus, re¬ligião, natureza, universo, eterni¬dade, arte, estética e ética, homem e mulher procurando conferir ao leitor a compreensão sobre a ori¬gem e destino da humanidade e sobre as leis que regem o universo. É, portanto, um condensado de temas multifacéticos que procura incitar o debate sobre os assuntos mais candentes da existência do homem angolano e da humanida¬de em geral na forma de um diálo¬go travado entre dois personagens. O diálogo é um dos raros géneros literários que permite cruzar a li¬teratura criativa e a ciência. O que torna suave e agradável a leitura de temas científicos. SA- E em relação à Essência Sobre a Relação Entre o Homem e a Mulher? AP -Esta obra é pequena e de fácil leitura. Contém 80 páginas e foi escrita numa linguagem fluida e cativante capaz de prender o lei¬tor desde a primeira à última pági¬na. Trata de um tema intemporal e universal que é a relação entre o homem e a mulher. Há ques¬tões que o livro procura responder, como por exemplo, por que é que devíamos dizer que o sexo fraco é o homem e não a mulher? O que é que a mulher procura num homem quando pretende uma relação ma¬trimonial? E o homem? O que pro¬cura numa mulher? Adverte-se, por exemplo, que um homem deve ter três qualidades fundamentais (que chamo poderes) para cair na preferência de qualquer mulher. E esta deve ter, pelo menos, duas qualidades para ser desejada pelo homem. Revela ainda que apenas as mulheres submissas conseguem ter um casamento duradouro e criar famílias harmoniosas, con-trariamente às mulheres que se valem simplesmente pela beleza para conquistar os homens. O livro trás várias questões cru¬ciais para compreendermos que, afinal, o homem é o ajudante da mulher e esta é que tem a missão de conduzir a humanidade no seu longo e infindável percurso histó¬rico. A leitura desse livro é impres¬cindível para quem pretende per¬ceber os mais profundos segredos dos relacionamentos amorosos e de um casamento estável e duradouro. Revela ainda as características que deve reunir um indivíduo que quer liderar uma sociedade. Um tema importante para as pessoas dadas a liderança de grupos. No fim do li¬vro está um questionário que o lei¬tor deve responder resumindo a sua condição e situação real na relação com o seu parceiro ou cônjuge. SA- Há perspectivas das mes¬mas serem vendidas em livra¬rias de Angola, ainda este ano? AP- Tudo depende das prio¬ridades traçadas pela editora. Entretanto, os livros podem ser comprados igualmente em forma¬to digital (e-book) a partir do site da editora. Há uma quantidade de livros que chegou a Angola, que serão apresentados e vendidos em cerimónias de lançamento e sessão de autógrafos. Já fizemos uma em Luanda, e esperamos fazer tam¬bém em outras províncias, até esgotarem. Algumas encomendas para leitores localizados em Lu¬anda podem ser dirigidas para a minha página no facebook. SA- Como avalia o estado actu¬al da literatura no país? AP- Em expansão, embora tí¬mida. Já há uma boa diversidade temática e estilística em termos de produção literárias e o público leitor já começa a ser alcançado nas suas mais diversas sensibili¬dades. Algumas editoras começam a despertar para uma acção mais profissionalizante na produção e distribuição de livros. Já notamos uma rede comercial mais alarga¬da que inclui supermercados que procedem à venda de livros. Ago¬ra, há a necessidade dos escrito¬res começarem a pensar nos seus respectivos públicos-alvo quando decidirem lançar livros, visto que a sociedade ganhou o vício de acu¬sar o leitor de falta de hábitos de leitura, quando o problema está, sobretudo na qualidade da leitu-ra que o leitor deve aceder. Desde já, em Angola, não existe litera¬tura juvenil como tal. Há litera¬tura infantil, há infanto-juvenil e depois temos literatura para adultos. A literatura juvenil, que devia ser a mais difundida por ter potencialmente mais leitores, não existe. São as novelas que levam as raparigas a sonhar com o seu primeiro amor, são as aventuras que levam os rapazes a descobrir as suas capacidades de realiza¬ção. Essa literatura discorre sobre o fantástico, a ficção científica, o amor. Lembro-me de ler «Cora¬ção Indomável» de Corin Tellado, escritora espanhola de romances de amor, aos 16 anos de idade. Foi o meu primeiro romance; um romance de amor com final feliz, que me arrebatou para um mundo que se descobriu na minha imagi¬nação. É essa literatura que falta no nosso mercado e é por isso que a sociologia literária angolana de¬monstra um grande índice de abs¬tenção a leitura de obras literárias nacionais. O que não é por falta de hábitos de leitura, mas por falta de literatura que desperte interesse nos jovens. SA- A falta de hábitos de leitu¬ras não terá a ver com uma defi¬ciente qualidade literária? AP- Em minha opinião, a falta de hábitos de leitura nos jovens é um falso problema, uma vez al¬fabetizados ou alcançada a lite¬racia é quase impossível não ler. Ler nem chega a ser hábito, mas uma necessidade. Trata-se de um meio de comunicação que concor¬re para a nossa sobrevivência e de¬senvolvimento em sociedade. Pre¬cisamos de ler os sinais de trânsito ou receber notícias. Hoje, com as Tecnologias de Informação e Co¬municação ( TIC’s) precisamos de ler as mensagens que nos enviam, de discutir ideias nas redes sociais. Tudo implica leitura. É irónico ro¬tular alguém como não tendo há¬bitos de leitura. Quanto à leitura de livros, o problema está naquilo que já apontei acima: qualidade de li¬vros. Se passarmos em revista certas obras consideradas infantis verificamos uma linguagem, por vezes inacessível às crianças. Vi num conto infantil de um certo escritor angolano a palavra «con¬comitantemente», entre outras difíceis. Era um livro que a minha esposa comprou para o meu filho e este, pura e simplesmente, encos¬tou-o a um canto qualquer, no fim de várias tentativas de perceber a estória. Assim, as crianças até passam a fugir os livros por serem de difícil compreensão. Também, não vamos obrigar os jovens que sonham com uma vida moderna e cheia de luxos e riqueza material para superar o seu estado de po¬breza a lerem livros supostamente recreativos que falam de «dever revolucionário» ou de ideários de uma gesta heróica fantasiosa vin¬da dos fundos da história política angolana. Não existe nenhum in¬teresse literário nisso que desperte essa franja social disposta e pron¬ta para descobrir o mundo que se abre a sua frente. Depois há gente corajosa que vem dizer que não existem hábi¬tos de leitura (risos). Se os jovens podem comprar bilhetes caros para espectáculos de música ao vivo, também podem comprar li¬vros. O problema está apenas na qualidade de oferta literária. Na qualidade de uma literatura que, num passado recente, esteve preso à censura e que se encontrava se¬questrado pelos ideiais de revolu¬ção e actualmente não cai na es¬fera de interesses da nova geração de angolanos. SA- Que futuro prevê para a li¬teratura angolana? AP: Depende, sobretudo da abertura de um mercado devida¬mente organizado pela economia privada, no qual o escritor, o edi¬tor e o livreiro formam uma cadeia comercial estruturada e onde o li¬vro é uma mercadoria que cria ri¬queza e prestígio. Assim, todos ga¬nham. O escritor estimulado pelas vendas aceitáveis deixará de ter outras ocupações e será um escri¬tor a tempo inteiro. Assim, a qua¬lidade dos livros aumenta e com ele o nível de profissionalização da própria economia literária. Quem sabe não venhamos a ter um ver¬dadeiro Paulo Coelho, que vende milhões de exemplares traduzidos mundo fora, entre os nossos escri¬tores? Doutra forma, a literatura estará no mesmo quadro de difi¬culdades de afirmação qualitativa que se apresenta hoje. (In: Semanário Angolense, edição n.º 671, de Sábado, 28 de Junho de 2014).

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