Na sequência de um desafio que me foi lançado pelo Club-K e pelos internautas que contactam comigo pelas redes sociais, venho ajudar a esclarecer algumas questões sociais e judiciais relacionadas com os jovens detidos:
QUAIS SÃO AS MOTIVAÇÕES DO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO?
O Movimento Revolucionário (MR) e o Grupo de Reflexão (GR) de jovens intelectuais estão entre os movimentos sociais mais activos da sociedade civil que procuram influenciar o poder político através de mudanças significativas na forma de governação do Estado e, desde o inicio deste milénio têm vindo a protagonizar os mais mediáticos factos não partidários e não inseridos em agendas de ONG que se conhecem na sociedade no seio dos jovens angolanos. O MR, cujos membros são conhecidos como os “revús”, se revela como um movimento de PRESSÃO mulifacético (desembaraçado em vários núcleos independentes pelo país), que actua preferencialmente por meio de manifestações e os seus membros assumem a ideia de que as mudanças políticas devem acontecer por meio de uma alternância política possível que ponha fim a mandatos políticos longevos. Daí estarem contra o tempo de mandato do actual Presidente da República. Por não admitirem quaisquer hipóteses de se adiar a alternância política e por estarem contra os modelos de governação assumidos pelo partido no poder, o MR pode ser caracterizado ideologicamente como sendo um movimento de ESQUERDA RADICAL de pendor anarquista. Por seu turno, o GR actua fundamentalmente através dos médias, influenciando a sociedade através de debates sobre as políticas públicas, exercício de cidadania e visão de Estado. Seus membros são em geral colunistas com referências na imprensa nacional e são “opinio-makers” com espaços relevantes nas redes sociais vindo de movimentos estudantis que protagonizaram as mais violentas manifestações nesse nível. Nos últimos tempos o GR tem vindo a desenvolver um modelo de convergência de interesses políticos denominado CONCERTAÇÃO por identificar uma tendência crescente de violência política entre os angolanos e procurar alertar a sociedade para um efectivo perigo contra a estabilidade política nacional. Assume-se como um movimento moderado que procura admitir que tanto o partido no poder quanto a oposição política precisam negociar posições a bem da ideia de Pátria e Nação comuns. Ideologicamente situa-se como movimento de CENTRO-ESQUERDA visto que por um lado pretende mudanças nos modelos de governação e por outro pretende que as instituições mantidas pelo partido no poder sejam estáveis no contexto de uma transição sustentável para que garantam a estabilidade política e o desenvolvimento económico e social de todos os angolanos. Ambos os movimentos adoptam formas PACÍFICAS de actuação, mantêm ligações estratégicas e os seus membros convergem pela necessidade de mudanças políticas e sociais urgentes em Angola que retirem os angolanos da extrema pobreza e da impunidade generalizada que insuflam a corrupção, o clientelismo, o nepotismo e tantos outros vícios de uma governação longeva. Tomado no seu conjunto, contam com centenas de milhares de indivíduos repartidos em diferentes grupos com a média de idade que ronda os 35 anos, sendo a parte mais activa da juventude sem ligações partidárias.
O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO É UMA ORGANIZAÇÃO SECRETA?
Apesar de inúmeras denuncias e agressões já sofridas pelos seus membros por pessoas interessadas em dificultar as suas actividades, os membros do MR sempre reuniram em locais público para além de que as actividades são sempre divulgadas pelas redes sociais, como são as manifestações de desencadeiam. Para achá-los, a PN ou a SIC não teve que fazer recursos a técnicas especiais de investigação. Qualquer indivíduo que se assuma como “revú” é facilmente admitido no seu seio, não sendo nem secreto e nem sectário. Dai ser um espaço de conforto para muitos jovens que têm interesse em desabafar que partilhar ideias sobre a situação política em Angola, quando não conseguem fazê-lo noutros espaços sociais. Esse é segredo da atracção que exerce sobre os jovens de diferentes camadas sociais que pretendem emprestar voz a um amplo movimento de reformas políticas e sociais em Angola.
QUEM FINANCIA AS ACTIVIDADES DO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO?
As actividades do MR são, a semelhança do GR, financiadas com recursos a contribuições dos próprios membros numa base de espontaneidade e voluntarismo (paga ou contribui quem pode). Não há sequer um sistema de quotas definidas nos termos em que são as organizações tradicionais e por isso não tem conta bancária por meio da qual seja possível receber doações de terceiros. Tão pouco existem parceiros estratégicos com interesses estranhos aos angolanos. Apenas, a vontade de transformação política e social move as inteligências e dessa vontade nasce o esforço individual em contribuir para as actividades que são desenvolvidas sempre que necessárias e por isso, tudo funciona na base de uma IRMANDADE estruturada por uma rara solidariedade entre os seus membros apenas justificados pelos elevados princípios éticos e morais que defendem.
O QUE É QUE OS JOVENS ESTAVAM A FAZER QUANDO FORAM DETIDOS?
Alguns encontravam-se reunidos num local, habitual, em que discutiam modelos de influência PACÍFICA de alteração da ordem política actual, no processo conhecido como brainstorming por meio do qual os membros deviam convergir nos métodos de actuação. Outros, foram localizados e detidos isoladamente, nos seu afazeres particulares.
HAVIA INTENÇÃO PARA UM GOLPE DE ESTADO?
Via de regra, o golpe de Estado é provocado por movimentos afins ao poder instituído (forças militarizadas, partidos políticos). Pelo que se sabe, nenhum deles é membro de partido político. E se é, não tem espaço relevante na sua liderança. O jovem militar acusado entre os mesmos não passa de um indivíduo nas vestes de um mero cidadão e no pleno exercício dos seus direitos de cidadania. Não estava sequer fardado e nem é responsável por alguma unidade militar capaz de perpetrar um Golpe de Estado. Nos anos 80, Angola foi palco de lutas renhidas entre as maiores potências mundiais, e forças da KGB e da CIA travaram fortes e silenciosos duelos pela hegemonia e controlo de Angola, sem terem conseguido abalar as estruturas do poder. Diz-se inclusive que alguns especialistas em golpes de Estado passaram por Angola sem sucesso reconhecendo que o Governo Angolano era um dos regimes mais protegidos de África. Quem não se lembra dos atentados bombistas dos sul-africanos em Malongo entre muitos outros actos fracassados? Hoje, Angola é tida como uma das maiores potências militares de África e o José Eduardo dos Santos tem desenvolvido uma diplomacia de tal ordem influente pelo mundo que leva a comunidade internacional a solidarizar-se com o seu mandato. Por via disso, alguns analistas são de opinião que em Angola não há condições para um golpe de Estado perpetrado por indivíduos estranhos ao próprio poder político instituído.
QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS RAZÕES PARA A DETENÇÃO DOS JOVENS?
Alguns analistas são de opinião de que a detenção dos jovens deve-se a necessidade de escamotear o problema do caso Kalupeteka que vem a tona com uma monitorização da comunidade internacional em que se percebeu a efectiva morte de fiéis inocentes. Receando que o problema ganhe espaço na arena nacional, o regime entendeu protagonizar a prisão dos jovens como uma manobra de diversão para desviar as atenções da opinião pública nacional e internacional. A isso, acresce-se a questão dos acordos com a China e as dificuldades que o Executivo vai demonstrando em explicar o seu conteúdo numa altura em que a sociedade vai questionando os montantes de valores (fala-se em mais de 29 biliões de dólares) e as possíveis garantias do crédito de que se especulam serem terras (províncias) cedidas à República Popular da China. As mesmas opiniões, são unânimes em afirmar que a semelhança dos revús, o caso Kalupeteka só ganhou espaço porque na altura estava em debate o pacote eleitoral. Esperando não ser questionado pela sociedade, o parlamento aprovou-o sem colher contestações porque o povo foi desviado pelas atrocidades descobertas no Monte Sumi, Huambo. Portanto, os jovens detidos não passam de meros “bodes expiatórios”.
QUAL É O PERFIL DOS DETIDOS?
O MR e GR são certamente os movimentos sociais que concentram os jovens com níveis mais alto de consciência e práctica de cidadania transpartidária e que acreditam que as mudanças são possíveis se o povo no seu conjunto lutar pela mesma causa. As lideranças de ambos os movimentos contam com jovens com níveis de formação universitária (muitos dos quais docentes universitários) e dotados de maturidade ideológica e cívica que esmaga de longe a capacidade média das lideranças juvenis de partidos políticos. Assumem um código de conduta assente na necessidade de elevação do espírito de cidadania, dos valores éticos e morais, do amor a pátria e demais valores que se encontram perdidos na maioria dos espaços sociais. Dizer que estão entre os jovens angolanos mais sérios e comprometidos com o futuro do país é pleonasmo. Portanto, não são jovens frustrados como algum governante insinuou num inoportuno discurso público e tão pouco têm pretensão de assumir o Governo. A própria idade de muitos desses jovens não permite se quer uma candidatura ao cargo de Presidente da República. E muito menos contam com alianças partidárias nos processos reivindicativos que desenvolvem de forma aberta e pública.
PORQUE É QUE OS JOVENS DETIDOS SÃO OS PRIMEIROS PRESOS POLÍTICOS DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA?
Do ponto de vista jurídico, há diferença entre Detenção e Prisão. A maioria dos chamados presos políticos esteve detida. Em 1977, a famosa intentona de Nito Alves fez mortos e detidos sem qualquer julgamento feito em Tribunal. Muitos deles permaneceram detidos por anos a fio. Mas judicialmente ninguém foi preso. De lá para cá, este é o primeiro caso de prisão por razões claramente políticas. Os presos políticos seriam os activistas de Cabinda, recorrentemente presos por crimes contra segurança do Estado e o caso Fernando Garcia Miala. No primeiro caso, os acusados não são tomados como estando a atentar contra o poder instituído apesar de serem julgados e condenados. Para o caso Miala, as acusações acabaram não arrolando a questão do alegado golpe de Estado e, por isso, apesar de preso, não podia ser visto como preso político. Grosso modo, os manifestantes desde 1992 têm sido detidos por alguns dias para depois serem julgados em processos sumários em que a maioria é inocentada. Isso não dá vazão a uma prisão. Os jovens ora detidos que já foram muitas vezes detidos, é a primeira vez que têm a PRISÃO preventiva formalizada e por um crime que atenta o poder instituído. Daí serem os primeiros presos políticos angolanos no verdadeiro sentido desde a independência. Antes disso, os presos políticos foram vítimas do regime colonial cumprindo a prisão no Tarrafal e outras cadeias dispersas pelas colónias de Portugal.
DE QUE CRIMES OS DETIDOS FORAM ACUSADOS?
São acusados de Crime de Rebelião e Crime de Atentado contra o Presidente da República previstos e puníveis nos termos dos art.º 21.º e 23.º remissivo ao art.º 28.º da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado (LCSE), sendo fundamentos bastantes para o alegado Golpe de Estado.
POR QUANTO TEMPO OS JOVENS DETIDOS PODERÃO ESTAR PRIVADOS DE TER VISITAS?
De acordo com a Lei n.º 18-A/92 – Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória (LPPIP) em caso de Crimes Contra a Segurança do Estado, a falta de contacto entre os detidos e pessoas estranhas aos serviços de investigação criminal (parentes, amigos e outros) só pode ser mantida, mediante autorização do MINISTÉRIO PÚBLICO, até ao décimo (10º) dia a contar da data de detenção. O que quer dizer que a partir da segunda semana já podem ser visitados, sem quaisquer impedimentos legalmente relevantes.
OS JOVENS DETIDOS PODEM AGUARDAR PELO JULGAMENTO FORA DA PRISÃO?
De acordo com o art.º 28.º da LCSE, os crimes de que os jovens são acusados admitem liberdade provisória. O que quer dizer que os jovens podem ser libertados e aguardar o julgamento em casa.
QUAIS SÃO AS MATÉRIAS DE PROVAS ACHADAS PARA A ACUSAÇÃO DOS JOVENS?
As verdadeiras provas parecem estar ainda no domínio do Segredo de Justiça. Contudo, alega-se que os jovens foram apanhados em FLAGRANTE DELITO num momento em que liam e estudavam manuais sobre métodos PACÍFICOS de democratização do Estado. O que é certo é que, segundo a equipa de advogados de defesa, não existem provas nenhumas que sejam idóneas para a condenação dos revús.
QUANDO DEVE OCORRER O JULGAMENTO?
Antes que termine a prisão preventiva, os jovens devem ser julgados. Caso contrário, terão de ser libertados e aguardar o julgamento em casa. Nos termos da Lei, a prisão preventiva só pode durar até um máximo de 90 dias por se tratar de crimes Contra a Segurança do Estado. Sendo admissível a liberdade provisória, na verdade não deviam estar presos preventivamente, como estranhamente acontece.
EM CASO DE SEREM CONDENADOS QUANTO TEMPO DURARÁ A PRISÃO?
Os crimes de que os jovens são acusados, se provados, poderão implicar uma pena de prisão até 3 anos no máximo e com possibilidade de conversão em pena de multa. O que quer dizer que mesmo que sejam condenados com pena de prisão, podem sempre ser libertados mediante pagamento de multa.
SE OS JOVENS FOREM INOCENTADOS POR FALTA DE PROVAS COMO FICA A SITUAÇÃO?
Sendo inocentes, e absolvidos dos crimes de que são acusados, os jovens têm direito a reclamar uma indemnização contra o Estado. Visto que contraíram danos morais e materiais significativos. Por exemplo, muitos deles interromperam os estudos e perderam a oportunidade de participar nos respectivos exames (a detenção fez-se num período de exames no subsistema universitário) outros estão privados de rendimentos para sustentar as suas famílias colocando-as em situação de dificuldades económicas notórias.
QUAL É O EFEITO POLÍTICO E SOCIAL DA DETENÇÃO DOS JOVENS?
A detenção dos jovens revús demonstra falta de espaço para o exercício das mais elementares liberdades constitucionais em Angola. Do ponto de vista político revela a inexistência de um Estado de Direito e Democrático, sendo um regime de feição ditatorial de características monopartidária e de ideologia centralista. No âmbito social, demonstra a falta de espaço de expressão para os jovens e a negação da sua participação activa na discussão dos assuntos mais candentes do Estado e da Nação.
QUAL DEVE SER O POSICIONAMENTO DO GOVERNO EM RELAÇÃO AO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO?
O Executivo deve assumir uma postura dialogante, se quiser reduzir o impacto das reivindicações da juventude angolana que são cada vez mais crescentes. Uma das aspirações do MR é ter um encontro com PR por meio de uma audiência em que possam expor directamente as suas preocupações que são legítimas e admissíveis no âmbito da cidadania constitucionalmente assistida. É necessário que se organizem fóruns de auscultação e concertação que envolvam TODAS as forças vivas da Nação desencadeando assim a ideia de DEMOCRACIA PARTICIPATIVA entre os cidadãos. O silêncio do Executivo é a causa dos maiores distúrbios quem vem desde o caso Kalupeteka, só neste ano. Nesse contexto, o PR é encorajado a estabelecer um mecanismo permanente de debate aberto com a sociedade de uma maneira geral.
domingo, 16 de outubro de 2016
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O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO E OS JOVENS DETIDOS: ALGUMAS QUESTÕES PARA ESCLARECER - ALBANO PEDRO
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