Reagi prontamente ao discurso do Presidente da República através da Mensagem a Nação proferido na Assembleia Nacional, apontando a sua falta de oportunidade no momento actual. Não que não tivesse falado coisas úteis. Aliás, o discurso foi muito bem redigido e o PR usou de uma serenidade que revelou a sua têmpera de estadista. Entretanto, não foi ao encontro da maioria dos angolanos. Os argumentos que revelaram o Estado da Nação não eram aqueles que estavam na mira de muito de nós. Eu próprio, senti-me frustrado. Queríamos soluções concretas sobre a crise e nos foi revelado um discurso recheado, inclusive, de visões estratégicas como aquelas que revelaram a administração americana como a autora da destabilização do mundo actual. Foi como uma história engraçada e com tudo para fazer rir quem quer que seja, contada a um auditório de famintos. A fome não ajuda a ver o lado engraçado de uma tal história. Por isso, não se podia esperar maior repulsa.
Na sua reacção a Mensagem a Nação, Isaías Samakuva foi feliz em apontar os deméritos do discurso do PR, naquilo que é a visão monitorizadora do seu partido. Mas não foi oportuno na acusação que faz sobre a existência de um Estado Paralelo sem apresentar as provas sobre a existência de tais agentes. O que devia ser um discurso elucidativo sobre o mau desempenho do governo tornou-se numa abordagem caluniosa e difamatória levando todos a dúvidas sobre quem são os tais agentes, a que podemos aqui chamar de “agentes infiltrados da democracia angolana”. Esse discurso tem sido característico dos agentes da agitação das redes sociais que vão colocando em causa o bom nome de muitos bons cidadãos colocados na mira dos seus discursos incendiários, acusando-os de “cúmplices da má governação”, entre outros epítetos eleitoralistas. O populismo e o vulgarismo tornaram-se moedas correntes entre os “cabos eleitorais” espalhados nas redes sociais, acusando sem provas, todos aqueles que não alinham nos seus discursos radicais e envenenados de divisionismo, ódio, racismo, tribalismo e toda a espécie de intolerância que minam a convivência harmoniosa dos angolanos.
Ao defender que existe um Estado Paralelo que actua a margem do ordem constitucional e legal e que “ (…) está imune ao controlo do Parlamento, da sociedade civil e dos partidos políticos, inclusive o MPLA. É ele que controla de facto as principais decisões relativas à segurança e à economia. Isto significa, politicamente, que, durante o mandato do Presidente em funções nestes 14 anos de paz, o poder real foi transferido de facto dos Ministérios, do Parlamento, dos Tribunais e da CNE para os três serviços de inteligência, para a Casa de Segurança e para a Casa Civil do Presidente da República, que funcionam com o apoio de uma extensa rede de informantes, consultores e espiões infiltrados nos órgãos do Estado formal para detectar e neutralizar todas as actividades consideradas contrárias aos interesses do Presidente da República em funções. Ministros, governadores provinciais, generais, juízes, administradores das empresas públicas, parceiros comerciais, meios de comunicação social e até responsáveis de organizações da sociedade civil, são todos indicados, nomeados e controlados directa ou indirectamente por esta máquina complexa que controla o Estado.” In: Isaías Samakuva: Economia angolana está "prostituída" (Fonte: Club-K, dia 19/10/2016 em matéria retomada da DW), o Presidente do maior partido da oposição representado no parlamento fez uma acusação grave que não só revela a má governação do Estado como coloca sob suspeição a maior parte dos cidadãos que trabalha na máquina do Estado e que actua na sociedade civil. O que leva os funcionários públicos ao descrédito absoluto e periga as boas relações entre as pessoas colocadas no aparelho do Estado e aquelas que estão fora dela e põe em causa os esforços de cidadãos que actuam na sociedade civil com o objectivo manifesto de participar na solução dos mais profundos problemas que envolve os angolanos. O que seria atenuado (e desculpável, até) se apresentasse uma lista descriminada de tais agentes com vista a devolver a credibilidade dos funcionários públicos e dos cidadãos em geral confundidos nessas declarações.
O que é que se pretende com essas declarações? Que cheguemos a conclusão que só os militantes da UNITA que funcionam no aparelho do Estado e actuam na sociedade civil é que não fazem parte do “Estado paralelo”? Que apenas aqueles que defendem os ideais da UNITA é que estão livres da lista de agentes do “Estado paralelo”? Ou está a admitir que o “Estado paralelo” integra igualmente figuras ligadas a oposição política e que como tais encontram-se ligados a máquina do Estado e a sociedade civil? E nesse sentido quer que comecemos um processo de “caças as bruxas” procurando ver quem está contra o povo angolano? A que conclusão quer que cheguemos afinal com estas declarações? E que acções devemos desenvolver daqui em diante? (Porque os discursos políticos devem ter um objectivo claro na acção dos militantes e do povo em geral). Está, IS, a sugerir que não hajam ligações com individuos lligados ao aparelho do Estado e com a sociedade civil, para depurarmos o Estado dos seus malfeitores? Que aqueles que têm parentes ligados ao aparelho do Estado e a sociedade civil que se cuidem deles e estejam atentos as suas "manobras"? Que estamos todos afinal rodeados de informantes, espiões e toda a sorte de gente que atenta contra os nossos direitos e liberdades?
Não era de esperar que um líder político na oposição assumisse esse discurso de agitação que mais divide do que une os angolanos. Discursos dessa natureza potenciam a inibição dos sectores sociais que não se identificam com os objectivos directos e imediatos dos partidos políticos e põem em causa a idoneidade dos seus líderes em unir os angolanos a volta das tarefas fundamentais do Éstado. É hora dos líderes políticos assumirem uma postura mais construtiva do Estado e da Nação. É curioso que quando o PR apresentou a moção de estratégia apontando as 10 soluções para viabilizar o seu governo depois das eleições de 2017, caso as vença, nenhum partido, que eu saiba, apareceu em público a apresentar uma versão de como tais princípios não eram viáveis e exequíveis. Dos partidos políticos na oposição ouviu-se um silêncio tumular. O que me pareceu que os partido políticos, foram ultrapassados em muitas das soluções apresentadas. O que não é aceitável é que os cidadãos sejam confundidos em argumentos caluniosos e difamatórios. "Graças" a esses discursos, de quem nem mesmo os militantes do partido no poder estão isentos, hoje todos somos vistos, não como um único povo, mas como “agentes de uma guerrilha política” onde quem não é a favor das ideias e projectos de um partido político é um mau cidadão.
José Eduardo dos Santos deu o exemplo na sua Mensagem à Nação ao citar os nomes daqueles que estão por trás dos maiores conflitos militares e desastres humanitários do mundo. Que o exemplo seja seguido pelos líderes políticos a bem de uma sociedade consciente, emancipada e coesa na construção do Estado e da Nação. Abandonemos o vulgarismo e o populismo que nos vem caracterizando nos últimos tempos ao ponto de não termos capacidade e coragem de discutir publicamente os assuntos que mais interessam a unidade dos angolanos.
Perante tais declarações, Isaías Samakuva obriga-se moral e politicamente a apresentar provas nominais de tais agentes, evitando assim o populismo e vulgarismo com que se apresentou o tema no discurso. Para que essa confusão entre os cidadãos seja dissipada, impõe-se que sejam apresentadas provas evidentes de tais conexões. Haja coragem de esclarecer a opinião pública sobre os verdadeiros “inimigos” da democracia e do povo angolano!
sábado, 22 de outubro de 2016
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